À patrão

João Frazão

A rádio trás-nos os ecos de uma investida da Autoridade para as Condições de Trabalho numa exploração agrícola do Litoral Alentejano, revelando diversas facetas da exploração.

Um grupo de agentes entra numa propriedade e apresenta-se. Cientes da sua condição de clandestinos, de peças descartáveis da máquina da produção, a quem o País para quem asseguram a criação de riqueza não garante as condições de dignidade, há trabalhadores que fogem.

Sucessivos governos falam-nos dos êxitos deste modelo agrícola, tentando meter-nos olhos dentro uma modernidade assente na intensificação da produção e da exploração da mão de obra. É assim no olival, nos hortícolas, na vinha, nos pequenos frutos. É assim no Sul e no Norte. Na busca do lucro imediato, empreendimentos pagos, em parte, com investimentos públicos e comunitários, recorrem à mão-de-obra barata vinda da emigração, agora constituída por cidadãos asiáticos. Pagaram, quantas vezes, somas incontáveis para ter direito a procurar uma vida melhor, mas encontram-se à disposição de mercenários que lhes roubam o suor, mas também o passaporte e, com ele, a identidade.

O patrão da exploração procura descartar-se dizendo que eles não são seus trabalhadores. Contrata uma empresa que há-de contratar esses sedentos de vida que tentam amealhar uns poucos euros para encaminhar para famílias que ficaram lá longe, do outro lado dos continentes.

Questionado sobre as condições insalubres em que estes trabalhadores pernoitavam, às dezenas dentro de contentores sem casas de banho ou outras condições de higiene, o patrão deixa escapar a sua filosofia – «eles também não vieram para aqui para ter as condições ideais. Vieram para se desenrascar o melhor que podem».

Sucede que não apenas essas não são condições ideais, como parece não serem condições aceitáveis de todo.

O patrão queixa-se de não ter trabalhadores portugueses para fazer a apanha dos morangos. Não se mostra capaz de compreender que é exactamente porque ele pensa assim, porque despreza a dignidade e os direitos dos que trabalham para si, mesmo que estejam formalmente vinculados a outros, porque ele não só responde, como funciona «à patrão», que há muitos trabalhadores portugueses que resistem e procuram tal como estes, noutras paragens, vidas melhores.




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