Mate-se o mensageiro

Anabela Fino

Por esta altura já não deve haver cão nem gato, por mais maltês que seja, que não tenha ouvido falar dos famigerados Papéis do Panamá. De tão badalados de manhã à tarde e à noite, de tão comentados à noite à tarde e de manhã, em directo e em diferido em tudo quanto é órgão de comunicação social, os Papéis do Panamá entraram na via dos portugueses, não sendo de estranhar que já haja por aí apostas sobre quais os nomes de nacionais constantes no cardápio e que um destes dias virão (ou talvez não) a público. Veja-se como Pacheco Pereira, por exemplo, confessou não ter tido dificuldade nenhuma em elaborar uma lista mental de putativos implicados, o que é uma forma de reconhecer que eles andam aí, como diria o outro, e que só não os vê (ou será melhor dizer apanha?) quem não quer.

O que é de estranhar é que num tempo em que tanto se fala de evasão fiscal tenha passado praticamente despercebido o início do julgamento no Luxemburgo, dia 26, de dois funcionários da companhia PwC (PricewaterhouseCoopers) e de um jornalista que tiveram o desplante, imagine-se!, de divulgar os documentos que deram origem ao chamado «LuxLeaks». Recorda-se, para quem esteja esquecido, que o «LuxLeaks» revelou em Novembro de 2014 o esquema de evasão fiscal fruto de acordos entre centenas de multinacionais e o governo luxemburgês chefiado à época por Jean-Claude Juncker, personagem bem conhecida dos portugueses desde que se tornou presidente da Comissão Europeia. Essa mesma Comissão Europeia que vê com maus olhos o aumento do nosso salário mínimo, a reposição dos vencimentos na Função Pública ou o fim dos cortes de pensões e reformas. A mesmíssima Comissão que exige mais sacrifícios ao povo português em nome da contenção orçamental e manda o erário público pagar os desvarios da banca privada...

Pois as almas piedosas que hoje se dizem escandalizadas com os sucessivos escândalos de evasão fiscal não se escandalizam com os Junckeres da União Europeia e afins e muito menos ainda – ou sobretudo – com o facto de que quem se senta no banco dos réus são os que denunciam... o escândalo. Nestes tempos de ilusão sobre o poder democrático dos media controlados pelo capital, a mensagem não podia ser mais clara: mate-se o mensageiro que escapar ao controlo.

 



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