Os papéis
Os «Papéis do Panamá» surgiram repentinamente duma «fuga anónima», que os endereçou para a publicação alemã Süddeutsche Zeitung que, por sua vez, os reencaminhou para o The International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ), uma agremiação (patrocinada por fundações do calibre da Ford norte-americana) que pretende representar o «jornalismo de investigação» a nível planetário, com membros da envergadura do Expresso e da TVI.
Está assim armada a tenda para uma enigmática operação.
Inicialmente, foi o alvoroço. Que vinha aí um escândalo de dimensão homérica. Que iam ser expostos os ricos deste mundo. Que havia portugueses, empresários, políticos, jornalistas e até um Presidente entre os envolvidos nos offshores do Panamá.
Seguiram-se os encómios à entrega do caso ao ICIJ. Agora é que iam ver como era, com os «investigadores jornalísticos» de «todo o mundo» à perna...
E ninguém estranhou que esta denúncia repolhuda (2,6 terabytes contra os «modestos» 1,7 gigabytes do Wikileaks) viesse de «fonte anónima», inescrutável, quando as anteriores exposições de «ficheiros secretos» foram produzidas por cidadãos que tiveram a vida negra, perseguidos com ferocidade implacável pela máquina capitalista.
Cá no burgo, o Expresso tomou a peito uma «investigação» (supostamente de conluio com o ICIJ), cujos «resultados» afirma ir divulgando «no decorrer do tempo».
Um resultado já se pode aferir: labéus sobre profissões e actividades inteiras (políticos, jornalistas e por aí fora), que o «semanário de referência» vai lançando despreocupadamente a propósito de (até agora) inomináveis membros da classe, a par de alguns nomes, de que apenas garante «terem ligações» aos «papéis do Panamá» e que ou já estão «queimados» na praça pública ou para lá caminham. Outro «resultado»: nem um único nome dos EUA apareceu, até agora, nos «papéis do Panamá»...
Neste entremendes, o Expresso vai passando subrepticiamente que os offshores são uma coisa legal e normalíssima e que o mal é haver quem deles «abusa», ao ponto, imagine-se! de por eles «lavarem dinheiro» de «negócios criminosos». Como se vê, agora também há offshores «bons» e offshores «maus»...
Está provada a «eficácia do jornalismo de investigação» e a probidade do ICIJ, enquanto continua em aberto «a investigação», o que permite divulgar nomes que convenham, quando e onde, o que até parece uma «espada de Dâmocles» a pairar sobre a alta finança.
Mas pode também ser ilusão investigatória, até cobertura a ameaças subterrâneas, coisa frequentíssima, no «mundo de negócios».
O certo é que este sistema bombástico de dar notícias descredibiliza o emissário e o emitido, mergulha as notícias num caldo de irrelevância, onde o que importa é a notícia/novidade que se segue.
Conhecemos, de ginjeira, estes «papéis».