Exames de classe

Manuel Rodrigues

Nos últimos tempos, um verdadeiro coro de comentadores e «especialistas na matéria» levantou-se em defesa dos exames em todos os ciclos do Ensino Básico (por agora, ainda excluem a Educação Pré-escolar), a propósito do novo «Modelo Integrado de Avaliação Externa das Aprendizagens no Ensino Básico» avançado pelo Ministério da Educação e que elimina os exames nos quarto e sexto anos (muito embora, incongruentemente, os mantenha no nono).

Com o fim destes exames, dizem, lá se vão as «noções de exigência e hierarquia», a qualidade do ensino, a promoção do mérito e a cultura do rigor que tanto custou a construir e deu suporte a essa fantástica criação do ranking das escolas. Chegam mesmo a vaticinar o prenúncio da morte da escola democrática com dramáticas consequências sobretudo para os pobres.

Um discurso obviamente ideológico que importa desmontar. O que se passa é exactamente o contrário do que afirmam. Os exames nacionais são um «grave erro pedagógico e resultam de uma opção ideológica» que visa, isso sim, como sublinha o PCP, «a triagem social no percurso escolar das crianças e jovens portugueses» com o objectivo de «iniciar a selecção social e económica dos estudantes logo no início dos seus percursos escolares».

De facto, de rigor e de exigência é uma escola democrática, pública, de qualidade e inclusiva que garanta a igualdade de oportunidades no acesso e no sucesso educativo a todos os alunos. Ou seja, uma escola objecto dos necessários investimentos públicos que permitam as turmas mais pequenas, manuais escolares gratuitos, transportes seguros, espaços humanizados, profissionais de educação com formação e em número adequados, horários de trabalho equilibrados, medidas de apoio económico, social e pedagógico aos alunos que chegam à escola em condições económica, social e culturalmente desfavorecidas, apoios efectivos para os alunos com necessidades educativas especiais.

Ao contrário do que afirmam, os exames no Ensino Básico não fazem qualquer falta no sistema educativo e são instrumento de reprodução das desigualdades sociais. Por mais que o dissimulem não conseguem esconder a razão ideológica do seu desassossego: uma concepção de educação como negócio ao serviço de interesses de classe. Do grande capital, claro!

 



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