A balançar
Há que fazer balanços sobre esta gente que, do poleiro nacional a que ascenderam conjunturalmente, fizeram o País recuar mais de uma década no seu desenvolvimento económico e várias décadas (até mesmo ao fascismo) na expressão de deveres e direitos dos cidadãos e nas suas inter-relações na sociedade.
Foi uma declaração de guerra ao Portugal de Abril, pré-anunciada por Passos Coelho quando garantiu ir impor «um novo paradigma» ao País, pondo em marcha uma desgovernação sempre eivada pela inconstitucionalidade.
O famoso «ir além da troika» foi a pedra de toque da acção do governo PSD/CDS que, com arrogância revanchista, atacou não apenas os salários, subsídios sociais e pensões, reduzindo-os ou cortando-os, não defenestrou somente a pedra basilar do Código do Trabalho nas relações laborais do País, não se limitou a lesar gravemente os serviços públicos na Saúde, na Educação ou na Segurança Social. Também levou à ruína muitos milhares de pequenas e médias empresas, elevou o desemprego a níveis obscenos – um milhão e meio de postos de trabalho anulados – liquidou a confiança no Estado como pessoa de bem e foi alastrando por Portugal a peçonha dos conflitos sociais – novos contra velhos (apontando estes como «um fardo»), empregados contra desempregados (acusando estes últimos de «falta de iniciativa» ou, mesmo, de «preguiçosos»).
A fechar os elos do restauracionismo revanchista, o governo PSD/CDS contou com o oportuno cadeado do Presidente da República, Cavaco Silva, que pôs o seu presidencial exercício a manter coesa a geringonça que sempre foi (essa sim) a «coligação Pedro e Paulo».
Aliás, foi o tenaz apoio de Cavaco – usando as prerrogativas presidenciais –, que manifestamente manteve quatro anos e meio no poder esta clique. O ponto alto do conúbio revelou-se com a «crise do irrevogável» desencadeada por Paulo Portas, onde ficou tão exposta a fragilidade política da coligação, que levaria Cavaco a abusar das competências ao procurar impor um compromisso a longo prazo entre o PS e a coligação PSD/CDS, com todos a comprometer-se a cumprir ad aeternum as medidas de austeridade impostas pela União Europeia. Desde então, essa tentativa de imposição tornou-se obsessiva, em Cavaco.
À hora a que escrevemos chegou a notícia de que o Presidente da República acabou de «indicar» António Costa para Primeiro-Ministro (com o pormenor de substituir o habitual «indigitado» por «indicado», uma espécie de sinónimo a marcar a posição relutante do Presidente). Foi preciso esperar 50 dias para se cumprir a norma constitucional taxativa de se dar posse ao Governo que se apresente na Assembleia da República com apoio maioritário.
Cavaco Silva levou quase dois meses a percebê-lo, tal como a perceber que não tinha outro remédio.