Comentário

Roteiro da expulsão

Inês Zuber

Na Re­pú­blica Checa, têm sido de­tidos re­fu­gi­ados e mi­grantes desde o Verão, sendo vá­rios deles obri­gados a pagar pela sua de­tenção, a qual pode chegar até 90 dias. Estas de­ten­ções são feitas em con­di­ções des­critas como de­gra­dantes, pi­ores do que numa prisão. O alto co­mis­sário das Na­ções Unidas para os Di­reitos Hu­manos, Zeid Ra’ad Al Hus­sein, «cri­ticou vi­go­ro­sa­mente» esta me­dida.

Mas será esta me­dida do go­verno checo tão con­trária às po­lí­ticas da UE, como nos querem fazer crer?

No final de Se­tembro, a Co­missão Eu­ro­peia apre­sentou um plano de seis meses para im­ple­men­tação da Agenda Eu­ro­peia de Mi­gração. Entre vá­rias me­didas, são pro­postas as se­guintes: de­sen­vol­vi­mento de Equipas Rá­pidas de In­ter­venção nas Fron­teiras, o au­mento de 1,3 mi­lhões de euros para au­mentar as equipas da Frontex, da Agência Eu­ro­peia para as Mi­gra­ções, da Eu­ropol e uma «cre­dível e efec­tiva po­lí­tica de re­torno». Em re­lação à cri­ação de rotas mi­gra­tó­rias se­guras e le­gais? Uma frase vaga que re­mete para 2016 essa me­dida, e sempre no quadro da re­visão da Di­rec­tiva Blue Card (a qual re­gula a en­trada de mi­grantes qua­li­fi­cados e de­se­jados pelas em­presas), o que desde logo de­monstra a forma res­trita como é en­ten­dida. Já a meio de Ou­tubro, o Par­la­mento Eu­ropeu aprovou uma al­te­ração ao Or­ça­mento da UE para 2015 que con­tem­plava estas me­didas. Foram apro­vados 100 mi­lhões de euros adi­ci­o­nais para o Fundo para o Asilo, a Mi­gração e a In­te­gração e para o Fundo para a Se­gu­rança In­terna. A UE não dá ponta sem nó no que con­cerne à cri­ação in­ten­ci­onal da con­fusão sobre a ma­téria – estes mon­tantes, apro­vados numa só e única de­cisão, fi­nan­ci­arão ob­jec­tivos tão dis­tintos como o aco­lhi­mento dos mi­grantes ou a sua ex­pulsão de ter­ri­tório da UE. (1)

Mas foi na reu­nião do Con­selho da União Eu­ro­peia de 8 de Ou­tubro (a qual pre­parou a reu­nião do Con­selho Eu­ropeu de 15 de Ou­tubro, na qual todas as de­ci­sões foram con­fir­madas) que a más­cara da so­li­da­ri­e­dade caiu de­fi­ni­ti­va­mente. As con­clu­sões desta reu­nião são, na prá­tica, um guia sobre como ex­pulsar mais e de forma mais eficaz os mi­grantes da UE – foram dados os passos ini­ciais para a cons­ti­tuição do «Plano Eu­ropeu de Re­torno». Aqui é dito que o Fundo para o Asilo, a Mi­gração e a In­te­gração deve apoiar subs­tan­ci­al­mente as ac­ções de ex­pulsão de mi­grantes («ac­ti­vi­dades de re­torno» na lin­guagem po­li­ti­ca­mente cor­recta da UE), tal como o fi­nan­ci­a­mento da Agência Frontex deve ser au­men­tado subs­tan­ci­al­mente para apoiar o «re­torno». A Di­rec­tiva do Re­torno, tão con­tes­tada pelas or­ga­ni­za­ções de mi­grantes em todo o mundo, de­verá ser apli­cada de forma efi­ci­ente, uma vez que o «au­mento das taxas de re­torno de­verá fun­ci­onar como dis­su­asor da mi­gração ir­re­gular». Ou seja, mais uma vez, a força do exemplo da re­pressão a fun­ci­onar contra os in­de­se­já­veis. Aliás, a UE está dis­posta a pagar somas bi­li­o­ná­rias (tendo já pro­posto um pa­ga­mento de três mil mi­lhões de euros à Tur­quia) aos países li­mí­trofes com as fron­teiras de países da UE, em troca da ma­nu­tenção dos mi­grantes e re­fu­gi­ados nesses países ou mesmo da re­cepção de mi­grantes ex­pulsos pela UE. Os sis­temas de in­for­mação da UE – o Sis­tema de In­for­mação de Schengen e o Sis­tema de In­for­mação de Vistos – que detêm dados sobre vi­a­gens e pas­sa­geiros, devem ser co­lo­cados de forma mais efi­ci­ente ao ser­viço da ex­pulsão dos mi­grantes. Para além disto, foi de­ci­dido que os es­tados-mem­bros devem ope­ra­ci­o­na­lizar, até ao fim de 2015, uma rede de troca de in­for­ma­ções de forma a fa­ci­litar a re­ti­rada de au­to­ri­za­ções de re­si­dência, no­me­a­da­mente dos mi­grantes com re­gisto cri­minal. Mais uma vez a UE brinda-nos com a sua aná­lise xe­nó­foba – a ten­ta­tiva semi-en­ca­po­tada de as­si­milar mi­grantes e cri­mi­nosos. Os es­tados-mem­bros de­verão também uti­lizar me­lhor o «ex­per­tise» dos ele­mentos da Frontex na iden­ti­fi­cação e re­gisto dos mi­grantes – para dar apoio aos es­tados-mem­bros nesta ta­refa será criado, dentro da Agência Frontex, um Ga­bi­nete de Re­torno. Por outro lado, os es­forços di­plo­má­ticos da UE, cen­trar-se-ão na exi­gência de re­ad­missão dos mi­grantes nos países de origem – para isto irão pro­mover o do­cu­mento «laissez-passer» da UE (carta de ex­pulsão da UE) que deve ser di­fun­dido e re­co­nhe­cido por todos. Mas a ce­reja em cima do bolo: «Todas as me­didas devem ser to­madas para as­se­gurar o efec­tivo re­torno dos mi­grantes ir­re­gu­lares, in­cluindo a de­tenção como me­dida le­gí­tima de úl­timo re­curso». Qual­quer coin­ci­dência entre esta me­dida da UE e a acção do go­verno da Re­pú­blica Checa an­te­ri­or­mente men­ci­o­nada não é pura coin­ci­dência.

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(1) Para termos uma noção dos mon­tantes glo­bais ve­jamos que, por exemplo, Por­tugal, para o pe­ríodo 2014-2020, re­ce­berá cerca de 32 mi­lhões de euros para o Fundo para o Asilo, a Mi­gração e a In­te­gração (no qual estão in­cluídas me­didas de aco­lhi­mento e me­didas de ex­pulsão), cerca de 19 mi­lhões de euros para con­trolo de fron­teiras e cerca de 18 mi­lhões de euros para forças po­li­ciais.




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