O dia antes do dia seguinte

Anabela Fino

Segundo a versão online do Diário de Notícias, o secretário-geral do PS aproveitou uma acção de campanha em Setúbal, anteontem, para dirigir aos partidos à sua esquerda o pungente pedido para que «concentrem a sua energia na direita», alegadamente por considerar que o PS está «sozinho a enfrentar a direita». Costa foi mesmo mais longe afirmando a dado passo: «Na segunda-feira já podem fazer o que sabemos que vão fazer, dizer 'Costa rua'. Mas nestas eleições o que está em causa é pôr Passos Coelho na rua!».

A frase – e se não foram estas as exactas palavras é de admitir que o repórter de serviço lhe tenha mantido o sentido – tem que se lhe diga, quer pela mensagem redutora que pretende transmitir quer pelo que encerra quanto ao futuro.

Aparentemente, para Costa, «pôr Passos Coelho na rua» é quanto basta, como se mudar de protagonistas – e não se nega que tenham a sua importância – fosse sinónimo de mudança de políticas. É o velho expediente do é preciso que alguma coisa mude para que fique tudo na mesma. Daqui decorre que o anseio de pôr Coelho na rua, certamente maioritário, deve bastar ao eleitorado para decidir em quem votar. Trata-se ao fim e ao cabo de servir a receita velha de quase quatro décadas da alternância sem alternativa, com os resultados que estão à vista.

Mais curioso, contudo, é a certeza de Costa quanto ao «dia seguinte». O PS já «sabe» o que o PCP – destinatário evidente – vai fazer: dizer «Costa rua». E por que motivo? Porque a política que o PS se propõe seguir não difere substancialmente da que tem sido seguida por PSD e CDS, pelo que só pode esperar que quem sempre deu combate à política de direita o continue consequentemente a fazer. Vale a pena lembrar, para quem tenha memória curta, que nesta legislatura, conforme dados vindos a público em Agosto, num total de 310 propostas do Governo chegadas à AR, o PS votou a favor em 139, absteve-se em 79 e só em 92 votou contra. É caso para dizer que é manifestamente pouco para quem diz estar «sozinho a enfrentar a direita». E isto para não falar das lutas de todos os dias fora da AR, onde o PS primou pela ausência. A conclusão é óbvia: não, não basta pôr o Coelho na rua. É preciso é mudar de política. Com a CDU, naturalmente.




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