É preciso

Henrique Custódio

Mário Soares sempre trocou a ideologia pelas conveniências (e vice-versa, o que assoalha a sua notável invertebralidade política) e, no início da Revolução de Abril, declarou a fala premonitória de que «é necessário meter o Socialismo na gaveta» (grafamos «Socialismo» com maiúscula porque, no PREC, nem a invertebralidade de Soares ousava pôr em minúscula o que anunciou ir pôr na gaveta. Lá está: não era conveniente).

A frase passou a «credo» das forças que emergiram do PREC – PS e PSD - para manejar os mecanismos da democracia burguesa com perícia catalizadora. Aqui e ali recorreram ao andarilho do CDS, recurso em que o PS de Mário Soares também foi precursor, plasmando uma espécie de «troika avant la lettre», a quem «o uso» intensamente soprado na Informação impôs chamar «arco da governação».

Foi este «arco» que assumiu o não assumido credo do «socialismo na gaveta» e, em 38 anos de poder contínuo, conduziu o País dos serviços sociais do Estado implementados pelo regime democrático, ao projecto em devolver o poder ao capital monopolista, desembocando no desastre actual: desmembramento dos serviços sociais do Estado, ruptura da confiança das populações na honestidade do Estado, desemprego aos níveis dramáticos dos anos 60 (com a correspondente vaga de emigração), quebras do PIB, desinvestimento público maciço, recuo económico para três décadas atrás, transformação das Finanças numa máquina de esbulho dos que trabalham e dos reformados, mas de concomitante protecção dos capitalistas sempre-a-multiplicar e dos ex-governantes sempre a coleccionar tachos e mordomias, a apropriação do aparelho do Estado e do jogo democrático burguês pelo tríptico do «arco da governação» e o irreformável descrédito desta sucessiva e sempre crescente política restauracionista, levada meticulosamente a cabo pelo PS, o PSD e a gulosa ajuda do CDS, transformando o Estado numa imensa gamela onde pululam legiões de aproveitadores sem princípios, unidos na linhagem do oportunismo e, sobretudo, sem a mais longínqua noção de serviço público.

Foi assim que se realizou o projecto de Soares de «meter o Socialismo na gaveta», com o concurso de Cavaco e de Guterres, de Barroso e de Lopes, de Sócrates e de Coelho (para só falar dos principais), e essa é a crua realidade, por muito palavreado «de esquerda» e pretensamente redentor hoje proferido pelo «pai da democracia» portuguesa.

A actuação do Governo Passos/Portas apenas acelerou até ao insuportável a política dos «Pec's» de Sócrates. Em quatro anos afundaram o regime democrático numa crise sem precedentes, que a opinião publicada se esforça por chamar de «política» ou até «de regime», para nunca enunciar a verdadeira raiz do problema.

A política de direita, que tem vindo a instaurar, paulatinamente, o capitalismo financeiro e monopolista. Lutar é preciso.




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