Realidade e negação

Jorge Cordeiro (Membro da Comissão Política do PCP)

O debate sobre o que se apelidou de «regeneração do Sistema Político» no recente Congresso da Cidadania foi atravessado pela dilacerante dúvida sobre as razões subjacentes ao que identificam de «bloqueio do sistema político». Ao que tudo indica, não só, e apesar da catedrática composição de oradores, a dúvida persistiu, como a angustiante procura da resposta sobre a ausência de emergência daqueles «espaços exitosos», que identificam além fronteiras e que tanto os deslumbra, teimou em não se deixar encontrar.

O PCP tem um percurso de intervenção, soluções e competência

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Coisa que se explica atendendo a que dificilmente se encontrará o que se não quer ver. Descontando as teorizações de um Rui Tavares sobre a «recusa de fotocópias» sobre algo que teve sucesso no país ao lado, o que de todo se compreenderá dado que para cópia de alguma coisa, ainda que reduzida, já basta a do partido que lidera enquanto reprodução do PS; não levando a sério as divagações de Marinho e Pinto sobre a prevenção para «a intensidade da retórica populista» vinda de quem faz da demagogia e do populismo o centro da sua acção; tomando como momento de humor as afirmações de Raquel Freire sobre a sua convicção, a partir da confissão de Pablo Iglésias, líder do Podemos, de que estão a fazer o seu 25 de Abril, que a leva à hilariante teorização sobre o «empenho daquela força num “processo constituinte” como o que Portugal viveu, logo a seguir à revolução»; levando como natural que, atendido que seja o ramalhete oratório que se debruçou sobre a ausência de semelhante fenómeno nacional, se tenha concluído entre outros factores que a culpa é do PCP; procurando ignorar, por fim, o ensaio provocatório com que o jornal Público associa PCP, Abril, corrupção e envelhecimento para justificar a não regeneração do sistema político – importa ir àquelas que são as questões mais substanciais de posicionamento político face à situação do País e ao quadro político e partidário que moveram os participantes no referido debate.

O que ali esteve presente, pior ou melhor embalado em retóricas académicas ou pretensa ciência política, foram no essencial dois objectivos, autónomos mas convergentes: iludir a natureza, posicionamento e acção concreta do PS na promoção da política de direita e procurar ocultar e negar a alternativa e a contribuição nuclear que o PCP é chamado a desempenhar para a sua concretização.

De modos diversos ali conviveu o mesmo objectivo de resgatar o PS do campo da política de direita e de rasurar o seu percurso e responsabilidades ao longo dos últimos 38 anos. Seja pela mão de um apurado elenco de argumentos que, para iludir a arrumação do PS nos promotores da política de direita, descobriram agora o conceito de «arco constitucional», onde em contraponto a PSD e CDS, o PS se inseriria, como militantemente faz Rui Tavares; seja pela não menos imaginativa conclusão retirada por outro participante de que «se houver um bloco central no governo, após as eleições, corremos o risco de aparecer alguma coisa parecida com o “Podemos”», só compreendida enquanto negação do percurso de convergência entre PS e PSD em questões cruciais, incluindo em todo o período correspondente aos PEC e ao pacto de agressão, para não invocar outros e mais esclarecedores percursos em tempos idos.

Essa força existe

Em todos eles a mesma e obsessiva missão: a de se esgotarem na interminável pesquisa sobre uma qualquer miraculosa solução de intervenção política que não vislumbram e na não menos estafante procura de uma qualquer força que ambicionariam ver emergir. Pesquisa só entendível pelo irreversível estado de negação de que padecem perante a alternativa realmente existente mas que recusam admitir.

Na verdade, o que por ali conviveu, com mais ou menos rendilhados de oratória, foi o intuito de tapar a força da alternativa que o PCP representa. Pudessem os participantes naquele estéril debate varrer os preconceitos que os povoam e pudessem reposicionar-se definitivamente no terreno da ruptura com a política de direita e facilmente concluiriam que aquilo que, em tese, dizem procurar, há muito cá está no campo da luta por uma política alternativa e na construção de uma alternativa política.

Poupariam esforço e tempo optando por não ficar à espera do que há-de vir quando aqui e agora intervém e afirma-se uma força – o PCP – com um percurso de intervenção, soluções e competência para assumir todas as responsabilidades que os trabalhadores e o povo decidam atribuir-lhe na construção de uma alternativa patriótica e de esquerda e no governo do País, para concretizar uma nova política ao serviço dos trabalhadores e do povo, por um Portugal com futuro, desenvolvido e soberano.

 



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