Populações é que ficam a perder
A maioria PSD/CDS-PP e o PS inviabilizaram dia 20 o projecto de lei do PCP que pretendia vedar o acesso de empresas privadas às actividades económicas de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos sólidos urbanos.
Visão mercantilista e economicista do Governo redunda em piores serviços públicos
Em causa, no caso dos resíduos, está a opção do Governo pela privatização, enquanto nas águas decorre um processo legislativo com o mesmo objectivo que passa por uma «reestruturação» do sector através da criação de cinco mega-estruturas a partir da agregação dos actuais 19 sistemas multimunicipais de abastecimento (em alta) que integram o grupo da Águas de Portugal (AdP).
Na base da iniciativa da bancada comunista, apreciada faz hoje oito dias em discussão conjunta com diplomas idênticos do PEV e BE (também estes chumbados), está a consideração de que, sendo estes serviços públicos essenciais às populações, só a gestão pública permite garantir a sua qualidade e acessibilidade a custos baixos, os investimentos necessários, os direitos dos trabalhadores.
Pelo contrário, a privatização ou concessão destes serviços públicos de águas e resíduos - caminho iniciado em 1993 e que teve a sua progressão assegurada por leis dos sucessivos governos do PS, PSD e CDS -, na perspectiva do PCP, serve apenas para satisfazer os lucros das empresas concessionárias.
«Para o capital não há ética, nem preocupações com o bem-estar das pessoas ou a garantia de direitos humanos, para o capital a única preocupação é a maximização do lucros, mesmo que seja à custa de bens essenciais à vida, como é por exemplo a água», salientou a deputada comunista Paula Santos, rejeitando com veemência a «visão mercantilista e economicista do Governo».
Os partidos da maioria, à falta de argumentos, recorreram aos já bem conhecidos clichés de que os partidos mais à esquerda fazem uma «avaliação fundamentalista», «só querem vedar o acesso a privados por razões ideológicas», «ignoram a «sustentabilidade financeira do sector». E insistiram no sofisma de que «não há intenção do Governo de privatizar o sector das águas» e de que este se move apenas por razões de «equidade territorial» e para pôr termo a «disparidades regionais».
Ensaiaram ainda uma manobra de diversão, trazendo a debate os contratos de concessão de gestão do serviços de águas firmados pela câmaras de Setúbal e Évora. «Sabem perfeitamente que os contratos não foram feitos sob gestão da CDU, foram da responsabilidade do PS, e elaborados de tal forma leonina e ruinosa para a gestão pública que qualquer iniciativa que houvesse da parte dos municípios levaria à sua falência», contrapôs Paula Santos, que reiterou a advertência de que a privatização ou concessão dos serviços de água, saneamento e resíduos sólidos urbanos conduz à degradação da sua qualidade, à redução do investimento, ao agravar das assimetrias no acesso e ao aumento dos preços para os utentes.
Público é bom!
Desempenho medíocre das empresas privadas, subinvestimento, aumento brutal das tarifas, dificuldade em monitorizar os operadores privados, falta de transparência financeira, eis alguns dos problemas identificados em países onde serviços públicos como o da água passaram para mãos privadas.
E foi pela tomada de consciência desses problemas e da necessidade imperiosa de melhorar o acesso e a qualidade dos serviços de água, como sublinhou Paula Santos, que um número crescente de cidades, regiões e países em todo o mundo decidiu remunicipalizar e retomar o controlo desse bem essencial à vida.
Desde 2000, lembrou, são já pelo menos 180 os casos de remunicipalização, entre os quais estão as cidades de Berlim e Paris.
Por outro lado, há países europeus como a Dinamarca, o Luxemburgo, a Holanda e a Áustria cujos serviços de água são exclusivamente públicos.
Daí que a deputada do PCP tenha feito notar que a tendência, hoje, contrariamente ao que diz o Governo, «não é privatizar mas sim retomar o controlo público da gestão destes importantes serviços públicos».