Travar o processo é possível!
Chumbados pela maioria PSD/CDS-PP dia 20 foram ainda os 11 projectos de resolução do PCP (aconteceu o mesmo a iniciativas similares do PS) correspondentes a outras tantas apreciações parlamentares relativas aos diplomas que alteram os estatutos dos sistemas multimunicipais de resíduos sólidos urbanos.
Alterações aos estatutos que o Governo levou a cabo unilateralmente, em desrespeito pelas autarquias, no quadro do processo em curso de privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF), a sub-holding do grupo Águas de Portugal que tem como accionistas a própria AdP (51% do capital) e os municípios (49%), e que é responsável pela recolha, tratamento e valorização de resíduos urbanos, através de 11 empresas de Norte a Sul do País.
Frontalmente contra a privatização da EGF, não vendo uma única razão que a justifique, a deputada comunista Paula Santos lembrou que esta é uma empresa lucrativa, com mais de dois mil trabalhadores, onde houve avultados investimentos, que assegura o tratamento e valorização de resíduos a mais de 60% da população.
O ministro do Ambiente defendeu o processo de privatização argumentando com o «reforço do serviço público» e a «descida da tarifas», asseverando que vai gerar «metas ambientais mais ambiciosas». Jorge Moreira da Silva considerou ainda que o processo foi «transparente e muito competitivo» e defendeu que «houve sempre diálogo com as autarquias».
Servir privados
Argumentos que a bancada comunista rebateu, seja por não corresponderem à verdade seja pela sua inconsistência. Como é por exemplo o de que um dos objectivos da privatização tem a ver com a elaboração de um regulamento tarifário. «O que é que impede a gestão pública de o fazer? O que é que a gestão pública não pode fazer, que as entidades privadas podem fazer? E onde é que as entidades privadas prestam melhor serviço serviço público do que os próprios serviços públicos?», indagou Paula Santos, tocando num ponto em que Moreira da Silva em nenhum momento do debate foi capaz de esclarecer.
E a razão é simples. É que o objectivo do Governo - foi ainda Paula Santos a tocar neste que é o ponto nodal - é mesmo entregar de mão-beijada um conjunto de empresas que prestam serviços públicos essenciais aos grandes grupos económicos e financeiros.
O deputado comunista Miguel Tiago, sem medo das palavras, qualificou mesmo o Governo de «comissão de negócios» desses interesses, depois de acusar o ministro de «não ter apresentado um único argumento de vantagem para o Estado», e de estar apenas fixado na «entrega do interesse nacional a mãos estrangeiras ou de controlo privado».
E sobre a alegada estratégia para «beneficiar o interior» invocada pelo ministro do Ambiente, Miguel Tiago comparou o argumento com o utilizado para o aumento das tarifas da água, lamentando que o Governo não se tenha lembrado de abrir as escolas e os centros de saúde que encerraram, de abrir ou melhorar estradas, apostar na ferrovia e nos transpores públicos ou dinamizar o tecido económico. «Não. A melhor coisa que lhe ocorreu para dinamizar o interior foi privatizar o lixo», ironizou, trazendo à memória o «bom resultado» que tal decisão deu em Nápoles, com a proliferação de lixeiras por toda a cidade, «com a saúde pública a ser posta em causa, para que os lucros dos privados continuassem a crescer».
O parlamentar do PCP não deixou passar ainda sem reparo o facto de o Governo neste processo de privatização não ter dedicado «uma linha» aos direitos dos trabalhadores, ao volume de postos de trabalho, à manutenção dos direitos conquistados, ao papel das autarquias na gestão e do Estado na planificação, à qualidade do serviço, à «obrigatoriedade desse serviço estar subordinado a princípios ambientais e ao interesse público».
Paula Santos criticou igualmente o Governo por não ter cumprido a sua palavra com as autarquias, recordando que aquando da criação dos sistemas multi-municipais ficou previsto que muito deles seriam geridos unicamente por entidades públicas. E é aliás por isso, observou, que o Governo veio à pressa e de forma unilateral alterar estes estatutos, porque constituíam em si um impedimento ao processo de privatização.