Regime de incompatibilidades

Vista grossa à promiscuidade

A maioria PSD/CDS-PP mostrou abertura para acolher propostas do PS sobre alargamento das incompatibilidades de detentores de cargos públicos, mas rejeitou o projecto de lei do PCP (que teve também o voto contra do PS) destinado a dificultar as relações de promiscuidade entre o poder económico e o poder político.

Assistiu-se assim à repetição daquele que tem sido o sistemático boicote das bancadas do PSD, do CDS-PP e do PS à iniciativa da bancada comunista (o BE viu também chumbados dois diplomas sobre a matéria), tomada já por diversas ocasiões, no sentido de introduzir alterações ao regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. Trata-se, em síntese, como referiu o deputado comunista Jorge Machado, de eliminar essas relações de promiscuidade (favorecidas pelo carácter insuficiente da lei) que abrem espaço à corrupção e à «sobreposição de interesses económicos de meia dúzia de grupos económicos aos interesses da generalidade dos portugueses». Casos como o dos submarinos, do BPN e do BES são testemunhos disso mesmo.

Daí a alteração à lei proposta pelo PCP, defendendo, desde logo, que deixe de ser possível que um deputado à AR possa fazer, «por via das sociedades de advogados ou por via das sociedades gestoras de participações sociais, o que hoje está impedido de fazer a título individual».

«Hoje, há uma espécie de off-shore nas incompatibilidades e impedimentos», observou o deputado do PCP, pondo o dedo na ferida que tanto incomoda os executantes da política de direita, como aliás se viu pela reacção destemperada do deputado do CDS-PP Telmo Correia (ver caixa).

«Se os factos forem praticados por uma sociedade de advogados em que um deputado participa ou por via das SGPS, então nada é impedido, não há impedimentos ou incompatibilidades», denunciou Jorge Machado, que deu o seguinte exemplo: «um deputado está impedido de vender uma resma de papel à AR se tiver uma papelaria; mas se por via de uma sociedade de advogados ou SGPS participar num negócio de milhões com o Estado, nada há no estatuto dos deputados que o impeça, de acordo com a interpretação que tem sido feita por PS, PSD e CDS».

Inscrito no diploma do PCP, entre outras propostas, estava ainda o alargamento de três para cinco anos do período de impedimento do exercício de actividades privadas em empresas ou entidades com as quais houve contacto no exercício de funções políticas, e a incompatibilidade do mandato de deputado com a participação relevante no capital (actualmente é só no caso de ser superior a 10 por cento) em sociedade comercial.


Assumir argumentos do fascismo

No desespero, à falta de bons argumentos, há quem deite mão ao insulto soez, à provocação, ao anticomunismo mais serôdio e nauseabundo. Foi o que fez o deputado do CDS-PP, Telmo Correia, ao tentar rebater os argumentos da bancada comunista com uma sucessão de impropérios, num delirante e descabelado ataque ao PCP. «Estranho que esteja preocupado que um deputado possa patrocinar (na sua actividade profissional como advogado) um Estado estrangeiro, por exemplo. Durante anos, não fizeram outra coisa que não servir um império estrangeiro. Queremos um parlamento livre, não nos queremos sentar em Pyongyang, onde são todos escolhidos pelo partido», bolsou o deputado da extrema-direita parlamentar.

A resposta não se fez esperar, com João Oliveira, em defesa da honra da bancada, a exprimir o desejo de que tenha sido «por ignorância» que Telmo Correia utilizara os mesmos argumentos do fascismo na Assembleia Nacional para acusar os comunistas de defesa de um «império estrangeiro».

«Porque se não for ignorância é muito mais grave. Se quis utilizar de forma consciente os mesmos argumentos que utilizava o Estado fascista para combater politicamente os comunistas, para prender, torturar e assassinar os comunistas – porque, dizia-se na altura, que eram defensores de império estrangeiro – se quis utilizar todos estes argumentos, de forma consciente e não por ignorância, então é o seu discurso que não tem lugar nesta Assembleia, porque esta é a Assembleia da democracia, pela qual muitos comunistas deram a sua vida, a sua liberdade, para termos esta liberdade», sublinhou, peremptório, João Oliveira.

Jorge Machado voltaria ao assunto para assinalar que não deixa de ser «curioso que um debate sobre promiscuidade entre o poder político e o poder económico redunde em intervenções surreais de PSD e CDS, que vão buscar a China, URSS e Coreia do Norte para não discutirem».

 



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