O perfil de Cavaco
No prefácio aos «Roteiros IX», Cavaco Silva lança, no seu conhecido estilo paternalista, o debate público sobre a questão do «perfil» do próximo Presidente da República.
Com esta decisão Cavaco faz, como sempre tem feito, o jogo da política de direita e em particular do PSD e do CDS. Para compreender esta afirmação é necessário perceber o quadro político e mediático: PSD e CDS estão isolados política e socialmente e às portas de uma das maiores (senão a maior) derrotas eleitorais da sua história. O PS tenta inverter a estratégia do «fazer-se de morto» mas não consegue esconder o seu comprometimento com a política de direita e a amplitude das suas alianças de «geometria variável». Ou seja, a bipolarização, o «arco da governação» de Cavaco, está em dificuldades. Como resolver a questão? Com uma entrevista de Passos Coelho que reproduz a delirante ideia de que o PSD pode ganhar as eleições; com uma «sondagem» cujo elemento central é a ideia do «empate técnico» e com o lançamento da questão das presidenciais, com todas as suas lebres de corrida, para desvalorizar e descentrar a importância das legislativas.
Cavaco entra no jogo de onde nunca saiu. Mas vai mais longe, define o «perfil». E ao fazê-lo confessa-se. Cavaco quer que o seu sucessor fale a uma só voz com o Governo, como ele tem feito. Que na política externa siga as mesmas linhas do actual Governo, que são as suas – leia-se total submissão política e diplomacia económica ao serviço do grande capital. Que aposte na utilização das forças armadas em missões ao serviço das grandes potências da NATO e que, finalmente, tenha conhecimento dos dossiers importantes como o aprofundamento do actual rumo da UE com vistas a melhor o defender e impor ao povo português. E curiosidade (ou não) nunca refere a obrigação maior do Presidente da República – Cumprir e fazer cumprir a constituição! E é essa omissão a parte mais importante daquele texto, caso contrário Cavaco não caberia no seu próprio perfil. Aquele é o texto de um Presidente que não cumpre a missão para que foi eleito e que quer que o seu sucessor, à sua imagem e semelhança, assim também o faça. Mas o povo dirá não a tanta manobra e desfaçatez! A alternativa está a ser construída! Sem Cavaco, e para lá de Cavaco. E defende a Constituição!