Tríptico da Utopia – I

Manuel Gouveia

Parece que foi há muito tempo, mas foi apenas há sete anos. Uma onda varreu os Estados Unidos, «Yes, We Can!»a – Sim, Podemos! – e Barack Obama foi eleito presidente. Na tomada de posse, Springsteen e Seeger cantam um velho hino de Woody Guthrie, proibido durante décadas por comunista «This Land is Your Land»1: «Was a big high wall there that tried to stop me, Was a great big sign that said, "Private Property," But on the other side, it didn't say nothing, That side was made for you and me.2» E com eles cantaram milhões de norte-americanos.

Que até podiam. E ainda podem. Aliás, só eles podem. Mas nunca caminhando atrás seja do que for, e muito menos da – recauchutada – utopia do capitalismo de rosto humano. Que mais uma vez lhes pisou os sonhos, rasgou as promessas, semeou descrenças e matou esperanças.

Que Obama seja sistematicamente insultado como comunista pelos sectores mais reaccionários dos Estados Unidos não muda uma vírgula aquilo que Obama é e representa: uma forma de tentar gerir o sistema com mais eficácia; um mecanismo para conter a acção transformadora das massas.

Também acusado de comunista na altura, podemos ver a mesma base mitológica e utópica num filme icónico recentemente exibido em Lisboa – «Peço a Palavra!3» – onde um jovem James Stewart trava a luta contra um sistema corrupto e controlado pelos grandes grupos económicos, e vence através de uma corajosa acção individual que leva ao arrependimento do mais feroz dos seus adversários, sem jamais afrontar a base económica e social da corrupção e do sistema.

E porque nestas coisas está quase tudo dito e bem dito, termino com o nosso genial José Gomes Ferreira, que fez a crítica a estas utopias no grande poema «Morte de D. Quixote!», que sugiro revisitais, e do qual vos deixo a primeira e a última frase: «Pobres, gritai comigo: Abaixo o D. Quixote com cabeça de nuvens e espada de papelão!»; «E vivam os nossos Pulsos que, num repelão, hão-de rasgar o nevoeiro!»

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1 Esta terra é a tua!

2 Um grande muro tentou parar-me, Com um grande sinal que dizia «propriedade privada», Mas no outro lado, não dizia nada, Esse lado foi feito para ti e para mim

3 «Mr. Smith Goes to Washington»




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