Dignidade e firmeza contra todas as violências
Nascida em 1890 nos Açores, Maria Machado norteou a sua vida por uma dedicação sem limites ao povo, que se esforçou por libertar da exploração, da opressão e do obscurantismo.
O fascismo nunca perdoou a Maria Machado pela sua firmeza
A vida de Maria Machado é, toda ela, uma ode aos mais elevados valores humanos, defendidos e praticados sem desfalecimentos, quaisquer que fossem – e tantos que foram – os apelos à desistência, à rendição e à traição. Perante a prisão e a violência física como face à proibição de exercer a sua profissão e ao despejo do quarto em que habitava nas vésperas da sua morte repentina, nunca Maria Machado permitiu que o fascismo a humilhasse e vergasse. A sua dignidade impôs-se sempre, uma e outra vez.
De todas as áreas em que expressou o seu inquebrantável amor pelo povo trabalhador foi porventura o ensino aquela que praticou de forma mais constante e que viveu mais apaixonadamente. Nascida na Vila da Calheta, na ilha açoriana de São Jorge, a 25 de Fevereiro de 1890, Maria Machado foi professora do Magistério Primário, destacando-se desde muito cedo pelo seu empenhamento no combate contra a ignorância e o obscurantismo, que grassava não só nos Açores como por todo o País. Assumindo o ensino como ferramenta essencial para a aquisição de consciência social e cultura integral, Maria Machado funda uma biblioteca para os alunos da escola, que logo abre à restante população.
Uma vez instalada em Lisboa, para onde ruma em busca de mais largos horizontes, aplica nas escolas da capital os métodos inovadores de ensino que praticava nos Açores, baseados nos princípios da «Escola Activa». Na Escola Primária n.º 97, onde fora colocada, o seu «mau exemplo» rapidamente chama a atenção dos pedagogos fascistas. A repressão não tardaria.
A 1 de Agosto de 1936, Maria Machado é detida pela primeira vez pela então PVDE. O seu «crime»? Ser professora de Português na Liga dos Esperantistas Ocidentais, considerada um baluarte do PCP e das Juventudes Comunistas. No assalto à sua residência, que se sucedeu à detenção, a polícia política encontra exemplares do Avante! e outros materiais. Maria Machado é acusada de «agitação estudantil» e de manter ligações com a Secção Portuguesa do Socorro Vermelho Internacional, organização unitária de apoio aos presos políticos dos regimes fascistas. Enviada no início de Setembro para a cadeia das Mónicas, é libertada a 12 de Dezembro.
Firmeza ante a repressão
Longe de se deixar atemorizar com a primeira detenção, Maria Machado regressa à liberdade ainda mais empenhada em dar combate ao fascismo. Os tempos, aliás, assim o exigiam: nesses anos, a guerra dilacerava a vizinha Espanha e Hitler preparava-se já para a conquista da Europa.
Depois de, em 1937, ter sido autorizada a viajar para os Açores, não sem uma apertada vigilância policial, Maria Machado («a Rubina», como era carinhosamente chamada pelos seus camaradas) ruma a Paris no ano seguinte, onde exerce tarefas junto do Comité da Frente Popular Portuguesa e mantém ligação permanente com o Bloco Académico Antifascista que actuava nesses anos em Portugal. Em 1942, de regresso ao País, passa a estar ligada às tipografias clandestinas do Avante!, onde permanece até 1945, data em que é novamente presa.
Se é certo que no processo histórico o azar tem pouca ou nenhuma influência, o mesmo não se poderá dizer da segunda prisão de Maria Machado e da captura da tipografia em que trabalhava, instalada no lugar de Barqueiro, em Alvaiázere: a presença da GNR na localidade nada tinha a ver com questões políticas, mas com a perseguição a ladrões. Apesar disso, a tipografia acaba por ser apanhada, tal como Maria Machado, que consegue ainda assim garantir a fuga de dois camaradas e queimar documentos importantes, evitando que caíssem nas mãos da polícia.
Enviada para Caxias, transferida para a Penitenciária de Lisboa e mais tarde para a cadeia das Mónicas, à «Rubina» não lhe arrancou a política política qualquer confissão. Julgada no dia 15 de Novembro de 1946, é condenada a 22 meses de prisão correccional, sendo-lhe retirados os direitos políticos por cinco anos. A 31 de Agosto de 1947, regressa uma vez mais à liberdade e à luta antifascista.
Seria presa mais duas vezes: em Dezembro de 1953 e em Abril do ano seguinte.
Dedicação sem limites
Quando sai da cadeia pela última vez , Maria Machado tinha já mais de 60 anos e uma vida recheada de privações e violências. Proibida pelo fascismo de leccionar, vê-se forçada a empregar-se como governanta numa casa particular e a bordar tapetes de Arraiolos para sobreviver. As convicções, essas, mantém-nas intactas. Apesar das dificuldades da vida, continua clandestinamente a dar aulas gratuitas a trabalhadores.
Os últimos anos da sua vida passa-os num pequeno quarto, pago pelos seus camaradas e companheiros de luta. A polícia, conhecendo o seu paradeiro, pressiona o senhorio para que a despeje. Aos 66 anos, procura refúgio em azinhagas e becos. Um ataque de coração fulmina-a em plena rua, na Amadora, a 4 de Outubro de 1956.
A coragem e verticalidade que sempre demonstrou valeram-lhe o ódio do fascismo, que não descansou enquanto não a viu caída, sem vida. Por estas mesmas características será para sempre recordada pelos comunistas e pelo povo a quem se dedicou até ao limite das suas forças.
Palavras corajosas
Coerentes com as suas acções, as palavras que Maria Machado deixou escritas testemunham a firmeza do seu carácter e a coragem com que sempre enfrentou as dificuldades e a repressão policial. Em Novembro de 1945, enquanto a GNR a detinha na tipografia capturada na localidade de Barqueiro, Rubina deixava uma mensagem ao povo que presenciava a cena: «Não somos gatunos. Somos comunistas. Isto aqui é a tipografia do jornal clandestino Avante!, órgão do meu muito querido e grande Partido Comunista Português. Se a liberdade de imprensa não fosse uma farsa, esta tipografia não precisava de ser clandestina. Se houvesse liberdade de ideias, não precisavamos de ocultar os nossos nomes de patriotas honrados. O Avante! defende os interesses do povo trabalhador de Portugal.»
Em 1946, quando se encontrava presa, escreve uma carta a Avelino Cunhal, advogado e pai de Álvaro Cunhal: «Sou uma irmã de luta do vosso nobre filho e meu querido amigo Álvaro. Não me conhece, mas confio plenamente na vossa bondade e no vosso amor de pai. Não tenho família, não me permitem visitas, preciso, pois, do vosso sábio conselho e esclarecimento.Terça ou quarta-feira enviar-vos-ei uma procuração para me poder defender e consultar o meu processo, certa de que não vos negareis a isso. (…) As minhas possibilidades financeiras são 280$00 que me deixaram do meu vencimento, mas espero poder, pelo menos, pagar-vos as deslocações (…). O resto, espero, o fareis por amor do vosso filho. E tão convencida fico de que me atendereis que fico à vossa espera.»
Meses antes, já Maria Machado tinha endereçado uma carta ao director da prisão de Caxias, João da Silva. As palavras agora eram ásperas e duras, mas não menos reveladoras da dimensão humana da professora comunista: «Eu sou de um carácter muito sério e gosto de situações definidas e de resoluções corajosas, até da parte dos meus inimigos! É que os meus inimigos não são seres humanos e até a própria baixeza dos meus inimigos tortura o meu ser moral, não pelas contrariedade ou sofrimento que me infligem, mas pela observação da ignomínia dos meus inimigos.»