Os leitos

Henrique Custódio

A barragem onde o Governo Passos/Portas quis represar o País, usando como argamassa a «inevitabilidade» do empobrecimento por via da eterna austeridade imposta pela troika, abriu uma fenda mortal quando, nas eleições da Grécia, a luta do povo grego desembocou no acto de arrumar eleitoralmente os partidos «do arco da governação» (ao PS local reduzi-lo-ia mesmo à pura insignificância) e apoiar quem lhe apresentou um programa anti-austeritário e de soberania nacional.

Independentemente da evolução dos acontecimentos, um facto novo (e efectivamente «irrevogável») foi já conseguido: a (re)demonstração, sem equívoco, de que há sempre alternativas em política e na vida dos povos.

Este facto impôs a discussão política na União Europeia, interpelando a ditadura dos défices e das austeridades gizada pela grande finança e conduzida pela Alemanha, afinal a grande beneficiária do garrote austeritário imposto, sobretudo, aos «países do Sul», fazendo do «combate ao défice» dos estados o novo bezerro de ouro, perante quem todos deviam genuflexar.

A forma como o Governo PSD/CDS reagiu à novidade grega foi a de um pastor-alemão a arreganhar no portão da quinta em defesa da propriedade do dono, agindo com hostilidade inaudita para com as propostas gregas aos órgãos da UE. Ficaram registados dois momentos vergonhosos do Governo Passos/Portas. O primeiro, quando a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, se prestou a ser exibida pelo ministro das Finanças alemão como «exemplo» de «país cumpridor», qual bobi em exposição canina; o segundo, quando a mesma Maria Luís Albuquerque desenvolveu esforços para que não cedessem às exigências gregas e se aliou a outro congénere, o ministro espanhol, para tentar travar o acordo que foi celebrado entre a UE e a Grécia. O desplante foi tal, que a própria ministra recorreu logo a um canal televisivo para se desmentir a si própria, mas já era demasiado tarde e demasiado grave.

Parece inacreditável que o Governo Passos/Portas nem ao menos veja que as reivindicações gregas só podem beneficiar Portugal e que, pelo menos por isso, seria sua obrigação não as hostilizar, já que não consegue apoiá-las.

Como claramente o disse o Secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, o Governo Passos/Portas age assim por mera sobrevivência. Admitir a «questão grega» é confessar a falência da sua política de cortes e desmoronar todo o edifício arquitectado para caucionar uma austeridade sem fim.

Todavia, há por aqui um pormenor: gostem ou não, a visão única da austeridade sem fim acabou, a barragem abriu brecha e, onde julgavam ter encurralado os portugueses nas águas paradas do conformismo aos ditames do «resgate», fluem agora os povos português e europeus, em busca dos Leitos Perdidos nesta selvática «política do resgate».

 



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