A Grécia, a UE e a luta

Ângelo Alves

Foi tudo menos uma real negociação

O desfecho e conteúdo final do acordo entre a Grécia e a União Europeia é elucidativo dos desafios com que o povo grego e outros povos da Europa estão confrontados na luta pela recuperação de direitos, pela reconquista de condições de vida e pela inversão do rumo de empobrecimento e regressão social imposto pelo grande capital, a União Europeia e os governos da direita e da social democracia.

Se há conclusão a retirar do processo dito de «negociação» entre a Grécia e a União Europeia, que terminou com um compromisso entre o governo grego e as «instituições», é que o que se passou foi tudo menos uma real negociação. Foi um inaceitável processo de chantagem que usou a fragilidade e dependência grega gerada pelas políticas da União Europeia para forçar, no essencial, o mesmo rumo e as mesmas opções políticas de fundo que levaram a Grécia à situação em que hoje está. Políticas que visam essencialmente defender os interesses do grande capital e das principais potências capitalistas na Europa utilizando os instrumentos de domínio da União Europeia, mormente o euro.

Um processo de chantagem em que o desprezo pela vontade, legítimas aspirações e direitos do povo grego foi assumido sem pudor pelas instituições da União Europeia e pelos governos com assento no Eurogrupo e no Conselho Europeu, incluindo para vergonha nossa pelo Governo português numa posição que tem tanto de subserviente e de maquiavélica como de contrária ao interesse nacional. Um processo em que fica mais uma vez bem claro que os discursos da solidariedade e da coesão europeias não passam de sujos exercícios de hipocrisia, discursos ocos e agora esgotados de propaganda. Um processo em que fica mais uma vez patente a identificação de interesses e opções entre o grande capital, a social democracia e a direita como o comprova o papel que governos como o francês (o tal que quando foi eleito iria mudar a França e a Europa e fazer frente à Srª Merkel) tiveram no ataque à vontade e direitos sociais, laborais, democráticos e de soberania do povo grego.

Olhando para o conteúdo do acordo não pode deixar de ser motivo de preocupação o prolongamento do regime de tutela e de imposição dos objectivos presentes no memorando de entendimento que tem estado em vigor na Grécia, facto que constitui um desenvolvimento negativo de sentido contrário à vontade de mudança política expresso pelo povo grego nas recentes eleições e que se afasta das aspirações expressas nas lutas sociais que os trabalhadores e o povo grego exemplarmente travaram ao longo de todos estes anos.

Pode-se afirmar que este foi o acordo possível. E possivelmente será assim. Mas é aí que reside a questão de fundo que este processo revelou e que interessa para o prosseguimento da luta daquele povo e também do povo português: o embate entre os interesses dos trabalhadores e dos povos e a natureza de classe de uma União Europeia que como a realidade está a demonstrar não é reformável. Se é certo que este embate não se resolve com um acto súbito também é verdade que as batalhas que em nome dele se travam têm que ter uma direcção, um sentido claro. É exactamente por isso que o PCP tem vindo a afirmar repetidamente que o desenvolvimento em Portugal de uma política patriótica e de esquerda passa inevitavelmente pela recuperação de instrumentos de soberania, pela libertação de Portugal dos inaceitáveis constrangimentos da União Europeia e do euro e pela mobilização do povo e das suas forças sociais para rejeitar chantagens e imposições. Uma política que como a realidade demonstra implica obrigatoriamente rupturas que irão beneficiar não só o povo português mas os povos da Europa, que exige determinação e clareza e que tem de ser desenvolvida em todos os planos da luta de classes: institucional, política, social, ideológica e de massas.




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