Pecado, hipocrisia e indignidade

Carlos Gonçalves

J. C. Juncker veio dizer que a troika atentou contra a «dignidade dos povos» – «pecámos sobretudo contra a Grécia e Portugal e contra a Irlanda».

Estas declarações ganharam centralidade no combate político, neste quadro tão complexo da luta dos trabalhadores e dos povos da Europa, em que cada povo, na sua realidade nacional e experiência histórica, procura abrir pela luta o seu próprio caminho de ruptura com as «inevitabilidades» – exploração, «armadilha da dívida», regressão social e desastre nacional, em benefício dos mega-bancos.

Em Portugal, esta matéria ganhou maior evidência porque este é um momento em que as forças do «arco da política de direita» vivem em fase pré-eleitoral, de todas as mistificações e falsas promessas.

As declarações confirmam o discurso do «Presidente da Comissão» – um dos maiores responsáveis pela política da troika, de «indignidade» –, não como «rebate» tardio de consciência, ou «arrependimento moral», de actos e omissões socialmente criminosas, mas apenas como manifestação de hipocrisia, do tipo «lágrimas de crocodilo». Aliás o próprio Juncker admitiu que o que disse mais parecia «estúpido», quereria dizer – inconsistente e pouco sério. No fundo, do que se tratou foi de hipocrisia e sem-vergonhice, e de algum maquiavelismo, para ganhar tempo e espaço político para impor a conciliação, a resignação, e a agenda do grande capital aos povos em luta.

Por cá, Juncker fez escola na hipocrisia: seja a de P. Coelho que jurou a pés juntos que nunca houve «indignidades» neste País, salvo as do Governo PS/Sócrates, que nos lançou nos braços da troika, depois Coelho voltou à mistificação de que estamos no «bom caminho»; seja a da pantomina de Portas, claro que o «protectorado» foi muito mau, mas agora estamos em fase «vistos gold», tudo «na maior»; seja a da falta de vergonha de A. Costa e do PS, para quem está tudo mal por causa da «austeridade» deste Governo e da troika e o PS nunca teve nem tem responsabilidades a este respeito.

No fundo, PS, PSD e CDS estão tão juntos no passado dos PEC, do pacto de agressão e da troika, e na política de direita que querem continuar, como estão juntos na hipocrisia.

Não sei se isto é pecado, mas é seguramente uma indignidade!




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