O trocatintismo

Henrique Custódio

[O BCE comprar dívida pública em grande escala seria] «impossível, inconcebível» [e se tal acontecesse, eu seria] «totalmente contra, porque o BCE não se pode meter nessas coisas» (citação tirada do Público).

Isto foi dito por Passos Coelho há menos de um ano, em plena Assembleia da República.

Agora, confrontado com «o inconcebível» por parte do BCE, Passos não hesita em «apoiar» e dizer que as suas declarações anteriores «foram (pois claro) mal interpretadas» e «tiradas do contexto» (o «contexto», como se sabe, é um «buraco negro» onde morrem todas as citações, a começar pelas registadas em vídeo e áudio).

Nada de novo, num primeiro-ministro cuja prática o especializou no trocatintismo, como dizia Cesário Verde a um espertalhaço que o tratara por «sr. Azul».

Mas houve também o episódio grego: é que o Syriza ganhou concludentemente as eleições antecipadas na Grécia, no passado domingo. E, de repente, a Europa das troikas e dos resgates financeiros começou atabalhoadamente a «garantir» que a Grécia tinha de «cumprir os compromissos».

Todos perceberam – incluindo os «atabalhoados» que mandam na UE – que, independentemente do que o Syriza venha ou não venha a fazer no poder, nada na União Europeia ficará na mesma. As eleições demonstraram que a austeridade selvagem imposta aos povos pelos «arcos da governação» ao serviço do capitalismo monopolista tem limites e o esquema pode ter fim, como se viu na Grécia, onde os donos do «arco da governação» foram reduzidos à insignificância. E a procissão ainda não saiu do adro.

Perante este novo choque, Passos Coelho mostrou-se «à vontade» afirmando «respeitar os resultados», enquanto os descalabros do Governo entram em roda-livre.

Na Saúde, o ministro Paulo Macedo viu-se forçado pela ruptura nas Urgências (com esperas de atendimento já nas 18 horas) a passarinhar pelos hospitais distribuindo promessas de novos médicos de urgência e mais enfermeiros e atribuindo a óbvia falência dos serviços de Urgência a «picos» que só ele vê. Entretanto, só na aquisição de bens e serviços, o ano passado o SNS cortou 400 milhões de euros, enquanto as promessas agora repetidas de mais médicos e enfermeiros continuam à espera que o sr. ministro lhes dê provimento...

E o desastre continua, ora com o ministro Crato a desculpar-se, no inacreditável descalabro da colocação de professores, com o não menos inacreditável argumento de que «apenas aplicou as regras que lhe deixaram», enquanto a ministra da Justiça continua a perseguir fantasmas (agora diz que, quando telefona, tem a «sensação» de que está «a falar para um gravador»), indiferente às falhas do sistema informático nos tribunais e à redução do número de comarcas que semearam o pandemónio na Justiça.

E o trocatintismo floresce, floresce, floresce...




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