Rejeitar ilusões, combater a alternância
Perante a mais grave situação desde a Revolução de Abril, com o alargamento da consciência de que esta política não resolve os problemas e a sua manutenção está a conduzir o País para o desastre, multiplicam-se acções e iniciativas para branquear responsabilidades, impedir o crescimento do PCP e a afirmação do seu projecto alternativo, ao mesmo tempo que surgem tentativas de subversão do regime democrático. A propaganda sobre o alegado objectivo do PS «virar à esquerda» e a valorização dos chamados «independentes» merecem uma análise a partir da realidade do concelho do Porto, onde uma existe uma combinação digna de registo.
O problema do País não é de caras mas de programas políticos
Vamos por partes. Primeiro, o desejo do PS de governar à esquerda. Nas últimas autárquicas, o candidato do PS anunciou várias vezes a sua vontade de uma maioria de esquerda na Câmara do Porto, propondo reuniões e fazendo apelos públicos ao Partido. Passadas as eleições, ganhou uma lista de cidadãos eleitores apoiada pelo CDS e por sectores do PSD, com significativos apoios do grande capital. Face à ausência de maioria absoluta, o PS, com o seu «sentido de responsabilidade» e a sua disponibilidade de sempre para «entendimentos», assinou um acordo onde se compromete a executar o programa da lista mais votada. Ou seja, o PS, representado por alguém que hoje integra o seu Secretariado Nacional, assinou um acordo de governação em que se compromete a executar o programa do CDS e de sectores do PDS, de que Rui Moreira é rosto público.
Dito isto, ninguém estranha que este mesmo destacado dirigente do PS tenha dado uma entrevista (JN, 15/12/2014) assumindo que o próximo governo tem que ser capaz de fazer convergências para dar «confiança aos investidores». Mas se alguém duvidasse do que pretendia dizer, puxou da sua experiência na autarquia para afirmar que, quanto a possibilidades de alianças, acha que as poderá fazer com «alguns sociais-democratas» do PSD e «um ou outro democrata-cristão» do CDS.
Vejamos agora a questão dos «independentes» e o papel que poderão assumir na resolução dos problemas e na mudança de políticas. Depois da gestão anterior de Rui Rio e da coligação PSD/CDS ter «batido os recordes» de autoritarismo, de prepotência, de postura antidemocrática, de desrespeito pelos órgãos eleitos, de hostilização de grande parte das forças sociais da cidade, dificilmente seria possível fazer igual ou pior. Nesta perspectiva, fica fácil notar que não é complicado à maioria Rui Moreira/CDS/PS, no actual contexto, projectar uma imagem de mudança de estilo.
Mas não podemos confundir mais simpatia com novas políticas e, à luz das decisões tomadas neste primeiro ano de mandato, conclui-se facilmente que não há ruptura com as principais orientações políticas. Vejamos alguns exemplos desta governação:
- fomentou ilusões sobre a possibilidade de municipalização STCP, para depois divulgar estudos técnicos que defendem como solução os despedimentos de trabalhadores, privatização e cortes de linhas. Rejeitou a moção da CDU de combate à privatização da empresa;
- desencadeou processos de privatização do Pavilhão Rosa Mota e do estacionamento na Via Pública;
- promove um modelo de reabilitação do centro histórico que expulsa moradores e elitiza o acesso à habitação nesta área;
- saudou gravosas medidas do Governo para a cidade, como o fecho de esquadras PSP e o encerramento do único Serviço de Atendimento de Situações Urgentes, mantendo um silêncio cúmplice em relação à decisão de encerramento do Hospital Joaquim Urbano;
- perante uma auditoria que expõe graves irregularidades em torno do negócio imobiliário para a construção de apartamentos de luxo nos terrenos do actual Bairro do Aleixo, parece empenhar-se em salvar o modelo desta negociata, recusando a proposta da CDU de extinção do fundo imobiliário em causa e de construção nova habitação social;
- apesar de ter assinado com os sindicatos o acordo para as 35 horas, continua sem as aplicar.
Construir a alternativa
Sem querer fazer extrapolações directas para a realidade nacional, este exemplo, que envolve altos responsáveis do PS, o apoio do CDS (manifestado pelo próprio Paulo Portas) e o compromisso de não oposição do PSD (afirmada pelo seu porta-voz nacional) mostra que apesar de todos os «discursos de esquerda», o povo do Porto continua a ter um poder autárquico dirigido com políticas de direita, com aval e empenho do PS.
A alternância, os «entendimentos responsáveis» entre PS/PSD/CDS, os chamados independentes e os discursos de esquerda do PS convergem no sentido do branqueamento das responsabilidades destes partidos na situação nacional, para a difusão de ilusões e para o impedimento de soluções alternativas.
Tal como temos vindo a afirmar, do que precisamos não é de palavras e discursos bonitos ou de «esquerda», mas de actos concretos e de opções políticas em favor dos trabalhadores e das populações. O problema do País não é de caras mas de programas políticos.