Rejeitar ilusões, combater a alternância

Jaime Toga (Membro da Comissão Política do PCP)

Pe­rante a mais grave si­tu­ação desde a Re­vo­lução de Abril, com o alar­ga­mento da cons­ci­ência de que esta po­lí­tica não re­solve os pro­blemas e a sua ma­nu­tenção está a con­duzir o País para o de­sastre, mul­ti­plicam-se ac­ções e ini­ci­a­tivas para bran­quear res­pon­sa­bi­li­dades, im­pedir o cres­ci­mento do PCP e a afir­mação do seu pro­jecto al­ter­na­tivo, ao mesmo tempo que surgem ten­ta­tivas de sub­versão do re­gime de­mo­crá­tico. A pro­pa­ganda sobre o ale­gado ob­jec­tivo do PS «virar à es­querda» e a va­lo­ri­zação dos cha­mados «in­de­pen­dentes» me­recem uma aná­lise a partir da re­a­li­dade do con­celho do Porto, onde uma existe uma com­bi­nação digna de re­gisto.

O pro­blema do País não é de caras mas de pro­gramas po­lí­ticos

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Vamos por partes. Pri­meiro, o de­sejo do PS de go­vernar à es­querda. Nas úl­timas au­tár­quicas, o can­di­dato do PS anun­ciou vá­rias vezes a sua von­tade de uma mai­oria de es­querda na Câ­mara do Porto, pro­pondo reu­niões e fa­zendo apelos pú­blicos ao Par­tido. Pas­sadas as elei­ções, ga­nhou uma lista de ci­da­dãos elei­tores apoiada pelo CDS e por sec­tores do PSD, com sig­ni­fi­ca­tivos apoios do grande ca­pital. Face à au­sência de mai­oria ab­so­luta, o PS, com o seu «sen­tido de res­pon­sa­bi­li­dade» e a sua dis­po­ni­bi­li­dade de sempre para «en­ten­di­mentos», as­sinou um acordo onde se com­pro­mete a exe­cutar o pro­grama da lista mais vo­tada. Ou seja, o PS, re­pre­sen­tado por al­guém que hoje in­tegra o seu Se­cre­ta­riado Na­ci­onal, as­sinou um acordo de go­ver­nação em que se com­pro­mete a exe­cutar o pro­grama do CDS e de sec­tores do PDS, de que Rui Mo­reira é rosto pú­blico.

Dito isto, nin­guém es­tranha que este mesmo des­ta­cado di­ri­gente do PS tenha dado uma en­tre­vista (JN, 15/​12/​2014) as­su­mindo que o pró­ximo go­verno tem que ser capaz de fazer con­ver­gên­cias para dar «con­fi­ança aos in­ves­ti­dores». Mas se al­guém du­vi­dasse do que pre­tendia dizer, puxou da sua ex­pe­ri­ência na au­tar­quia para afirmar que, quanto a pos­si­bi­li­dades de ali­anças, acha que as po­derá fazer com «al­guns so­ciais-de­mo­cratas» do PSD e «um ou outro de­mo­crata-cristão» do CDS.

Ve­jamos agora a questão dos «in­de­pen­dentes» e o papel que po­derão as­sumir na re­so­lução dos pro­blemas e na mu­dança de po­lí­ticas. De­pois da gestão an­te­rior de Rui Rio e da co­li­gação PSD/​CDS ter «ba­tido os re­cordes» de au­to­ri­ta­rismo, de pre­po­tência, de pos­tura an­ti­de­mo­crá­tica, de des­res­peito pelos ór­gãos eleitos, de hos­ti­li­zação de grande parte das forças so­ciais da ci­dade, di­fi­cil­mente seria pos­sível fazer igual ou pior. Nesta pers­pec­tiva, fica fácil notar que não é com­pli­cado à mai­oria Rui Mo­reira/​CDS/​PS, no ac­tual con­texto, pro­jectar uma imagem de mu­dança de es­tilo.

Mas não po­demos con­fundir mais sim­patia com novas po­lí­ticas e, à luz das de­ci­sões to­madas neste pri­meiro ano de man­dato, con­clui-se fa­cil­mente que não há rup­tura com as prin­ci­pais ori­en­ta­ções po­lí­ticas. Ve­jamos al­guns exem­plos desta go­ver­nação:

- fo­mentou ilu­sões sobre a pos­si­bi­li­dade de mu­ni­ci­pa­li­zação STCP, para de­pois di­vulgar es­tudos téc­nicos que de­fendem como so­lução os des­pe­di­mentos de tra­ba­lha­dores, pri­va­ti­zação e cortes de li­nhas. Re­jeitou a moção da CDU de com­bate à pri­va­ti­zação da em­presa;

- de­sen­ca­deou pro­cessos de pri­va­ti­zação do Pa­vi­lhão Rosa Mota e do es­ta­ci­o­na­mento na Via Pú­blica;

- pro­move um mo­delo de re­a­bi­li­tação do centro his­tó­rico que ex­pulsa mo­ra­dores e eli­tiza o acesso à ha­bi­tação nesta área;

- saudou gra­vosas me­didas do Go­verno para a ci­dade, como o fecho de es­qua­dras PSP e o en­cer­ra­mento do único Ser­viço de Aten­di­mento de Si­tu­a­ções Ur­gentes, man­tendo um si­lêncio cúm­plice em re­lação à de­cisão de en­cer­ra­mento do Hos­pital Jo­a­quim Ur­bano;

- pe­rante uma au­di­toria que expõe graves ir­re­gu­la­ri­dades em torno do ne­gócio imo­bi­liário para a cons­trução de apar­ta­mentos de luxo nos ter­renos do ac­tual Bairro do Aleixo, pa­rece em­pe­nhar-se em salvar o mo­delo desta ne­go­ciata, re­cu­sando a pro­posta da CDU de ex­tinção do fundo imo­bi­liário em causa e de cons­trução nova ha­bi­tação so­cial;

- apesar de ter as­si­nado com os sin­di­catos o acordo para as 35 horas, con­tinua sem as aplicar.

Cons­truir a al­ter­na­tiva

Sem querer fazer ex­tra­po­la­ções di­rectas para a re­a­li­dade na­ci­onal, este exemplo, que en­volve altos res­pon­sá­veis do PS, o apoio do CDS (ma­ni­fes­tado pelo pró­prio Paulo Portas) e o com­pro­misso de não opo­sição do PSD (afir­mada pelo seu porta-voz na­ci­onal) mostra que apesar de todos os «dis­cursos de es­querda», o povo do Porto con­tinua a ter um poder au­tár­quico di­ri­gido com po­lí­ticas de di­reita, com aval e em­penho do PS.

A al­ter­nância, os «en­ten­di­mentos res­pon­sá­veis» entre PS/​PSD/​CDS, os cha­mados in­de­pen­dentes e os dis­cursos de es­querda do PS con­vergem no sen­tido do bran­que­a­mento das res­pon­sa­bi­li­dades destes par­tidos na si­tu­ação na­ci­onal, para a di­fusão de ilu­sões e para o im­pe­di­mento de so­lu­ções al­ter­na­tivas.

Tal como temos vindo a afirmar, do que pre­ci­samos não é de pa­la­vras e dis­cursos bo­nitos ou de «es­querda», mas de actos con­cretos e de op­ções po­lí­ticas em favor dos tra­ba­lha­dores e das po­pu­la­ções. O pro­blema do País não é de caras mas de pro­gramas po­lí­ticos.




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