Confere

Anabela Fino

Uma casa a que cha­memos nossa; uma sopa quen­tinha na mesa; uma mão macia como pão a que pos­samos dar a nossa; uma lu­fada de ar fresco num dia de Verão; um tra­balho com di­reitos; um livro à nossa es­pera como o me­lhor amigo... estas al­gumas das muitas coisas que po­demos as­so­ciar à noção de con­forto, termo tão em voga por estes dias que há o risco de se perder o fio à meada, ou seja, de não se ter se­quer a mí­nima ideia do que se fala quando se fala de con­forto.

Como mais vale pre­venir do que re­me­diar, nada me­lhor do que uma con­sulta aos di­ci­o­ná­rios para ver se ou­tros, mais sá­bios do que nós, nos mos­travam o ca­minho – ínvio que fosse – que para além de qual­quer dú­vida ra­zoável es­ta­be­le­cesse a re­lação, que An­tónio Costa diz existir (a exemplo do que fi­zeram nos úl­timos anos al­guns mem­bros do ac­tual Go­verno, se a me­mória não nos falha) entre con­forto e pro­testo.

Em vão. Nem uma efé­mera ponte en­con­trámos entre «bem-estar», «con­solo», «aga­salho»... e «re­clamar», «in­surgir», «pugnar»....

É bem ver­dade que a ex­pe­ri­ência há muito me en­sinou que cal­cor­rear es­tradas e ruas, perder horas e dias de sa­lário, andar ao sol e à chuva a exigir jus­tiça, gritar até que a voz nos doa em de­fesa de di­reitos con­quis­tados na luta, só para re­ferir al­guns as­pectos do «pro­testo», está a mi­lhas do «con­forto» por que todos an­se­amos. Mas mesmo assim, para que não se diga que sou pre­con­cei­tuosa, de­cidi con­ceder o be­ne­fício da dú­vida a Costa e de­mais teó­ricos da coisa, pelo que – se­guindo o exemplo de Ge­deão – sub­meti a questão a ri­go­rosa aná­lise.

Pe­guei na frase com todo o cui­dado – «o con­forto do pro­testo» – e olhei-a de um lado, do outro e de frente; mandei vir os ácidos, as bases e os sais; en­saei ao frio e ex­pe­ri­mentei ao lume... Tal como ao poeta, de todas as vezes deu-me o que é cos­tume: nem si­nais de ver­dade, nem ves­tí­gios de se­ri­e­dade. De­ma­gogia (quase tudo) e ar­ro­gância. Não rima, é certo, mas con­fere: pro­testo e con­forto não fazem parte do mesmo filme, tal como o PS, en­quanto se man­tiver na área de con­forto da al­ter­nância, será sempre parte do pro­blema e não fará parte da so­lução.

 



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