Sem pátria

Henrique Custódio

No congresso n.º vinte e tal da JSD – os meninos laranjas têm congressado imenso, em 40 anos de democracia – Passos Coelho dirigiu-se ao País montado no camelo eleitoral, baritonando mais um discurso a sacolejar frente aos microfones, na pose do estadista coloquial.

E disse ele (entre outras acrisoladas frases): «O significado de uma economia protegida é uma economia que tem donos que não são os portugueses. São apenas um grupo de privilegiados entre os portugueses, e nós não queremos uma sociedade que perpetue privilégios, queremos uma sociedade que permita o maior número possível, se não a todos, o acesso a essas oportunidades.

O homem continua sem perceber que é um desastre sintáctico quando improvisa e que, no discurso oral, não basta soletrar bem as palavras, também dá jeito arrumá-las em frases com as regras básicas da gramática. Continuemos.

«O significado de uma economia protegida é uma economia que tem donos que não são os portugueses».

Passos fala de «economia protegida» como quem mistura Keynes com Marx e produz uma gemada. Além de ignorar que os «donos das economias» são sempre os capitalistas, despreza também o pormenor de que o Estado burguês serve para «proteger os interesses» dessa elite e não os «da economia», a quem subordina inteiramente aos interesses dos «donos disto tudo».

Isto já era o bê-á-bá no século XIX.

A frase de que «os donos» da economia «são apenas um grupo de privilegiados entre os portugueses» descodifica quem a diz. E quem a diz é o chanceler que procurou reconstruir no nosso País a versão fascista das «economias protegidas» (a favor dos «donos»), com os excelentes resultados à vista: degradação a galope do emprego, da dívida pública e privada, dos salários, das pensões, dos serviços sociais do Estado, da qualidade de vida, da sobrevivência. Entretanto, o chanceler protege os interesses dos tais privilegiados através da sua política.

Mas, o escândalo BES/GES – somando-se aos do BPP, do BPN ou do BPI – deixou cruamente exposta a falta de escrúpulos de quem manda e governa em capitalismo. Quando a luta pelo poder levou a «família Espírito Santo» a degladiar-se em público (e só agora começou), o País viu, pasmado, que «os Escolhidos» que pairavam nos seus palácios de cristal funcionam, afinal, com a «vil cobiça» e a delacção que figuram entre as baixezas da espécie humana.

Por isso o chanceler aproveitou para alijar a «canga Espírito Santo» inferindo que «são apenas um grupo de privilegiados entre os portugueses» e tentando aduzir que «nós não queremos uma sociedade que perpetue privilégios» – que é, exactamente, o que sempre fez.

Mas se Coelho não sabe, dizemos-lho: no capitalismo não importa se as «famiglias» sobem ou descem, o que interessa é que continuem as condições políticas para que as «famiglias» continuem «donas disto tudo».
Além disso, o capital não tem «pátrias».




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