Libertar Portugal
«Nunca como hoje foi tão estreita e tão evidente a ligação entre a situação nacional e a natureza, os objectivos e o curso do processo de integração [na CEE/UE]. E de tal forma assim é, que não é possível seriamente perspectivar uma genuína política alternativa para o País, sobretudo se patriótica e de esquerda, sem considerar a necessidade de uma ruptura com eixos e aspectos centrais desta integração que nos liberte do insuportável peso dos seus constrangimentos.»
A vida deu razão ao PCP que preveniu para o aprofundamento da dinâmica de divergência indissociável do euro
A constatação feita pelo membro do Comité Central e deputado do PCP ao Parlamento Europeu, João Ferreira, no debate realizado no Hotel Sofitel, em Lisboa, foi igualmente sublinhada pelo economista João Ferreira do Amaral, que sucedendo-lhe na sessão concordou que, sendo certo que «em todos os momentos o futuro do País é uma questão política, não são muitos, como o actual, em que isso se torna tão claro e nítido».
Antes, porém, coube a João Ferreira destacar que «na evolução do sistema capitalista e das formas políticas que lhe correspondem, os processos de integração, por natureza assimétricos, surgem como a resposta à necessidade de superar a contradição entre o carácter transnacional que a acumulação adquiriu e o carácter nacional da regulação capitalista de Estado». Daí que as limitações impostas à soberania e à independência nacionais são um dos aspectos mais notórios desta integração, não sendo, no entanto, «consequência de todo e qualquer processo de integração», frisou. Ao mesmo tempo, «são inseparáveis da opção das classes e camadas dominantes internas de aceitarem e trabalharem para essas limitações, por tal corresponder aos seus interesses políticos e económicos (de classe) e à necessidade de fortalecimento da sua dominação».
Decorre, igualmente, continuou o dirigente do Partido e deputado ao Parlamento Europeu, que a «(mal) chamada “construção Europeia” como um processo de partilha (...) revela uma perspectiva manipuladora e mistificadora da realidade», uma vez que em resultado da desigualdade entre países económica e socialmente «periféricos» e do «centro», os primeiros agravam a «dependência económica», face à qual «sobrevirá sempre a subordinação política».
Da lei do desenvolvimento desigual do capitalismo, revelada por Lénine, para o caso português, João Ferreira salientou ainda que «as classes dominantes e os seus representantes políticos ainda ampliaram significativamente este efeito, malbaratando por sistema um poder negocial» e «adoptando uma permanente postura de abdicação nacional fortemente favorável aos sucessivos reforços da supranacionalidade.»
«Foi assim com a integração no mercado único e nas políticas comuns de agricultura e pescas», com «os sucessivos tratados – muito especialmente com Maastricht e Lisboa, passando por Nice e Amesterdão», com «o euro e a União Económica e Monetária», notou, antes de referir que «a livre concorrência no mercado único expôs a economia nacional a pressões concorrenciais que se revelaram ruinosas para muitos dos nossos sectores produtivos». Paralelamente, a «liberalização e desregulação do comércio mundial, que a União Europeia promoveu e vem intensificando, tudo veio agravar e tudo pode agravar mais ainda», aludindo à «séria ameaça» que se perfila com «o acordo transatlântico com os EUA, em fase de negociações».
O vil metal
Centrando-se na questão do euro, João Ferreira realçou que «todas as promessas de convergência se revelaram falsas» e, pelo contrário, a vida deu razão ao PCP que preveniu para o aprofundamento da «dinâmica de divergência indissociável da chamada crise do euro.
«O euro representou para Portugal estagnação e recessão; uma colossal compressão do investimento e uma correspondente degradação do aparelho produtivo; endividamento externo e perda de competitividade; deslocalizações; endividamento público e ataque especulativo à dívida soberana; descontrolo orçamental e agravamento do défice», detalhou para concluir que «a permanência no euro expropria o País de instrumentos necessários para inverter o rumo de declínio e afundamento nacional e para retomar um caminho de crescimento económico e desenvolvimento», expropriação que se mantém e aprofunda «com os instrumentos postos em marcha em nome da “salvação do euro”», em especial o Tratado Orçamental, alertou.
«Estamos perante instrumentos que submetem Portugal a um programa de “austeridade” eterna, a uma autêntica submissão nacional, com imposições de indisfarçável recorte neocolonial por parte da UE e do seu directório»; «perante um violento e perigoso ataque à soberania dos povos, que envolve o esvaziamento das estruturas de poder que lhes são próximas e que (melhor) controlam e a sua transferência para estruturas supranacionais, que coordenam e orientam o ataque aos seus direitos, a pilhagem das economias nacionais, numa séria ameaça à própria democracia, mesmo no plano formal».
Nesse sentido, «é imperioso quebrar este ciclo de crescente submissão e subordinação do País», afirmou João Ferreira, que avançando iniciativas que se articulam com a assunção de uma política soberana e a afirmação do primado dos interesses nacionais, salientou a sua subsidiaridade ao «objectivo tripartido de preparar o País para a saída do euro; renegociar a dívida – nos seus juros prazos e montantes – e recuperar o controlo público da banca comercial e de outras instituições financeiras e, bem assim, de outras empresas e sectores estratégicos».
Razão reconhecida
Desassombrado no debate promovido por um Partido com quem tem diferenças, «mas não nesta matéria, antes pelo contrário», o economista João Ferreira do Amaral lembrou que «a gestão das nossas dependências de acordo com os interesses que se pretende» obriga «a ter instrumentos para tal», desde logo «a emissão de moeda», instrumento central de qualquer política que, em última análise, permite ao Estado «ser o último garante do funcionamento da economia».
No mesmo sentido, importa deter soberania orçamental «enquanto instrumento de intervenção», e «mais que os constrangimentos à política orçamental [impostos pela UE]», sobressai, na corrente conjuntura, «a impossibilidade de articulá-la com a política monetária».
Central, para João Ferreira do Amaral, é ainda a detenção, pelo Estado, dos «instrumentos públicos do sector empresarial», disse, antes de criticar fortemente o Tratado de Lisboa por este «ter retirado toda a possibilidade e os pequenos países influenciarem as decisões na UE», e o congénere Orçamental, que «coloca Portugal sob chantagem, e um país sob chantagem não é nem soberano nem independente».
Em caso de violação dos seus pressupostos, o Tratado Orçamental «obriga a uma “parceria” com instituições comunitárias que passam a determinar aspectos essenciais da orientação política, incluindo em matérias reservadas de soberania», denunciou, antes de lamentar que «alguns» apontem como solução «mais federalismo».