Libertar o País das amarras
A maioria PSD/CDS e o PS inviabilizaram dia 15 o projecto de resolução do PCP sobre a renegociação da dívida, a libertação do País do euro e o controlo público da banca. O debate está porém lançado e seguirá inexoravelmente o seu caminho. Assim o exige o futuro do País.
Maioria PSD/CDS-PP e PS convergem na defesa da política de direita que afunda o País
A acompanhar a bancada comunista no voto favorável esteve o PEV e, só em parte, o BE, que deu o sim a dois pontos da parte resolutiva do diploma mas absteve-se no que toca ao ponto sobre a moeda única. «O BE não concorda que a saída se transforme num objectivo político», justificou Pedro Filipe Soares.
Ao definir «objectivos, calendários e opções» de uma política dirigida de facto para os interesses do País e do povo, e não para servir os interesses do capital, esta proposta do PCP assumia-se de forma clara como elemento de «ruptura com a política de direita», apontando uma política alternativa capaz de dar corpo a um «rumo soberano de desenvolvimento», como salientou logo a abrir o debate o deputado comunista Paulo Sá.
Mudar de rumo
Tratava-se, assim, com esta proposta tripartida, de dar um «importante contributo para essa imprescindível mudança de rumo», com os olhos postos na necessidade de «valorizar o trabalho, os trabalhadores e as suas condições de vida, defender direitos, rendimentos e poupanças das classes e camadas não monopolistas, desenvolver o País».
E por serem esses os seus objectivos, dando resposta consistente e articulada aos problemas, esta constituía uma proposta patriótica, tomando assumidamente «partido pelo povo e pelo País», e com um desígnio claro sintetizado no final do debate pelo líder parlamentar do PCP: «devolver a esperança e a confiança aos portugueses que diariamente lutam por um futuro de felicidade, progresso e justiça social».
Ora a verdade é que sem renegociar a dívida, sem cortar os condicionamentos impostos pelo euro e sem o controlo público da banca, a construção desse futuro melhor não passa de uma miragem. «Estaremos condenados ao definhamento económico, à dependência, ao empobrecimento e à degradação do próprio regime democrático», advertiu Paulo Sá, convicto de que só a «recuperação dos instrumentos de soberania» (entretanto perdidos com a privatização da banca, uma dívida asfixiante e a moeda única), permitirá criar condições para o «crescimento e o desenvolvimento económico, a promoção do emprego, a valorização do aparelho produtivo nacional e a elevação das condições de vida do povo».
Acautelar perigos
A necessidade de o País se libertar desses constrangimentos foi, pois, a grande questão que os deputados comunistas colocaram no centro do debate. Tal como foi a de saber como cortar essas amarras, ponto ao qual o PCP respondeu, avançando, nuns casos, como explicou João Oliveira, com propostas para «aquilo a que é possível responder já», noutros, propondo que se «estude e prepare o que não pode ter resposta imediata e implica estudo e preparação».
Tudo isto sem escamotear preocupações de vária índole, as quais, no entanto, «não podem ser imediatamente transformadas em catástrofe», como fizeram PSD e CDS-PP, «ressuscitando velhos fantasmas e medos».
Esse foi de resto um estratagema adoptado por ambos como forma de tentar fugir a um debate sério, mas que veio a soçobrar face à sólida posição da bancada comunista que, não ignorando tais preocupações – identifica-as, aliás, de forma clara no seu diploma –, abordou com objectividade essas preocupações, detalhando, por exemplo, como fez João Oliveira, os perigos de aumento das taxas de juro, desvalorização cambial, perda de poder de compra, desvalorização de salários, pensões e poupanças, fuga de capitais, acesso a bens essenciais.
«Tudo isso são preocupações que têm de ser encaradas para que tenham resposta e para que não se transformem em catástrofe», sublinhou o líder parlamentar do PCP, sem deixar de registar que uma boa parte desses problemas são, já hoje, no fim de contas, uma dramática realidade, fruto da desastrosa política de direita (ver peça A alternativa ao desastre).
Num debate onde o Governo primou pela ausência, sendo por isso severamente criticado, a não aceitação da proposta do PCP não pode entretanto deixar de ser lida como uma recusa dos partidos que executam a política de direita – PS, PSD e CDS-PP – em reconhecer a necessidade de uma política alternativa, mantendo a política de direita que tem afundado o País.
Mais – foi ainda o presidente do Grupo comunista a tirar a conclusão –, é a recusa à «libertação de Portugal das amarras que hoje aprisionam a esperança e as vidas dos portugueses e comprometem o nosso futuro».
E por isso é uma recusa condenada ao fracasso.
Silêncio comprometedor
A reter do debate fica ainda a incomodidade da maioria PSD/CDS-PP – mas também do PS – em abordar a questão do controlo público da banca. A verdade é que praticamente não abriram o bico sobre o assunto, num gesto revelador da sua dificuldade em assumir uma posição em defesa da banca privada, depois da sucessão de escândalos financeiros que têm envolvido o sector, o último dos quais protagonizado pelo BES.
Mas não só. Perante a «especulação, a fraude e até as práticas criminosas», anotou João Oliveira, o que tal silêncio evidencia é ainda a vontade dos protagonistas da política de direita de «manter tudo como está, garantindo a privatização dos lucros e obrigando o povo a pagar os prejuízos quando eles surgem».
Recusar a renegociação da dívida é o mesmo que amarrar o País a uma dívida impagável. O deputado Paulo Sá demonstrou-o sublinhando que os juros não param de crescer. Só este ano ascenderão a mais de 7700 milhões de euros, 60 por cento acima do valor pago em 2010. E a própria dívida cresceu nos últimos três anos mais de 51 mil milhões de euros, o equivalente, no final do 1.º semestre de 2014, a 134 por cento do PIB. «Quando mais pagamos, mas devemos!», concluiu, mostrando assim quanto insustentável é a situação em que o País se encontra.