Comentário

Libertar o País

João Ferreira

A re­cente cam­panha elei­toral ajudou a dar força (ainda in­su­fi­ci­ente) à pro­jecção no de­bate pú­blico de três temas in­con­tor­ná­veis na dis­cussão sobre o pre­sente e o fu­turo pró­ximo do nosso País: a dí­vida pú­blica e a ne­ces­si­dade da sua re­ne­go­ci­ação; as con­sequên­cias do Tra­tado Or­ça­mental e a ne­ces­si­dade da sua re­jeição; e a pre­pa­ração do País para a saída do euro.

São temas que de­finem uma clara linha di­vi­sória entre a pos­si­bi­li­dade de afir­mação e con­cre­ti­zação de uma ge­nuína po­lí­tica al­ter­na­tiva, pa­trió­tica e de es­querda, e a con­ti­nu­ação, com re­curso a formas e pro­ta­go­nistas di­versos, da po­lí­tica de di­reita que tem vi­go­rado nas úl­timas dé­cadas.

A re­ne­go­ci­ação da dí­vida

Os dados mais re­centes apontam para um mon­tante da dí­vida pú­blica por­tu­guesa de 220 684 mi­lhões de euros, o que cor­res­ponde a 132,3 por cento do PIB. Con­tra­ri­ando toda a re­tó­rica jus­ti­fi­ca­tiva da po­lí­tica de ex­plo­ração e em­po­bre­ci­mento im­posta pelas troikas, nos úl­timos três anos o cres­ci­mento da dí­vida foi subs­tan­cial – su­pe­rior a 50 mil mi­lhões de euros. A pro­lon­gada e acen­tuada quebra no pro­duto acen­tuou o seu peso re­la­tivo face à ri­queza pro­du­zida.

Esta dí­vida co­lossal acar­reta custos co­los­sais para o País. Em 2014, o ser­viço da dí­vida (juros pagos sobre uma dí­vida sempre cres­cente, sem amor­ti­za­ções) ron­dará cerca de sete mil mi­lhões de euros, uma ordem de gran­deza se­me­lhante a tudo o que o Es­tado gasta, num ano, como Ser­viço Na­ci­onal de Saúde.

A pro­pa­ganda ofi­cial tem re­fe­rido que nos pró­ximos anos Por­tugal re­ce­berá do or­ça­mento da UE um en­ve­lope fi­nan­ceiro equi­va­lente a cerca de 11 mi­lhões de euros por dia, vindos de Bru­xelas.

Pois bem, só em en­cargos com os juros da dí­vida, em 2014, o País será san­grado em cerca de 19 mi­lhões de euros por dia. Nos pró­ximos anos, se nada se fizer, a san­gria con­ti­nuará e acen­tuar-se-á.

O Tra­tado Or­ça­mental

Tudo o que tem sido dito a res­peito do Tra­tado Or­ça­mental é mais ou menos elu­ci­da­tivo sobre o seu con­teúdo e im­pli­ca­ções. Mas este tra­tado é bem mais do que aquilo que sobre ele se tem dito e es­crito na co­mu­ni­cação so­cial do­mi­nante.

Re­la­ti­va­mente à dí­vida pú­blica, por exemplo, ele impõe aos países cuja res­pec­tiva dí­vida se situe acima dos 60 por cento do PIB uma «tra­jec­tória de ajus­ta­mento», que obriga a uma re­dução de 1/​20 por ano da dis­tância face a este valor de re­fe­rência.

Há ba­si­ca­mente duas formas de fazer baixar o peso da dí­vida pú­blica face ao PIB. Ou a eco­nomia cresce e, nesse caso, para o mesmo valor ab­so­luto de dí­vida o rácio dí­vida/​PIB de­cresce; ou então, na au­sência de cres­ci­mento sig­ni­fi­ca­tivo – ce­nário pre­vi­sível para os pró­ximos anos, a man­terem-se as po­lí­ticas ac­tuais, – para além dos custos com o ser­viço da dí­vida, a san­gria de re­cursos pú­blicos es­tende-se à amor­ti­zação de par­celas dessa dí­vida.

Por esta razão, o ac­tual Go­verno prevê a ne­ces­si­dade de o País al­cançar saldos or­ça­men­tais pri­má­rios po­si­tivos. Algo que o País nunca al­cançou desde a adesão ao euro.

Sendo em­bora ir­re­a­listas tanto as pre­vi­sões como os ob­jec­tivos fi­xados pelo Go­verno, eles não dei­xarão de ser uti­li­zados como jus­ti­fi­cação para uma ainda maior com­pressão da des­pesa pú­blica (in­ves­ti­mento e fun­ções so­ciais do Es­tado) e para um ainda maior as­salto aos ren­di­mentos da po­pu­lação (saque fiscal, «mo­de­ração sa­la­rial», etc.).

Pre­parar a saída do Euro

A re­ne­go­ci­ação da dí­vida e a des­vin­cu­lação de Por­tugal do Tra­tado Or­ça­mental (ou a sua re­vo­gação) são con­di­ções ne­ces­sá­rias mas não su­fi­ci­entes para li­bertar o País da prisão da «aus­te­ri­dade» per­ma­nente. Ainda que o País se li­ber­tasse destes dois cons­tran­gi­mentos, per­sis­ti­riam ou­tros, di­recta ou in­di­rec­ta­mente as­so­ci­ados ao euro, como o Pacto de Es­ta­bi­li­dade.

Cá fi­caria todo um cor­tejo de me­ca­nismos de im­po­sição e de chan­tagem, vi­sando, entre ou­tras coisas, apa­zi­guar os «mer­cados», dos quais con­ti­nu­a­ríamos de­pen­dentes para o fi­nan­ci­a­mento do Es­tado.

Cá fi­caria uma po­lí­tica mo­ne­tária e cam­bial de­ci­dida em Frank­furt, de­sa­jus­tada das es­pe­ci­fi­ci­dades e ne­ces­si­dades da eco­nomia na­ci­onal, da sua es­tru­tura pro­du­tiva e ca­pa­ci­dade ex­por­ta­dora. Cá fi­ca­riam a in­ca­pa­ci­dade de cor­rigir de­se­qui­lí­brios com re­curso a este ins­tru­mento e a con­se­quente pressão per­ma­nente sobre os sa­lá­rios e o em­prego. Cá fi­ca­riam as perdas de com­pe­ti­ti­vi­dade de­ter­mi­nadas por uma moeda so­bre­va­lo­ri­zada, em função dos in­te­resses da Ale­manha.

Assim, a pre­pa­ração do País para a saída do euro será um ele­mento in­te­grante da po­lí­tica al­ter­na­tiva, pa­trió­tica e de es­querda. A con­dução deste pro­cesso deve as­se­gurar, em qual­quer cir­cuns­tância, uma in­tran­si­gente de­fesa dos in­te­resses do País, dos tra­ba­lha­dores e do povo (dos seus ren­di­mentos e pou­panças).




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