Libertar o País
A recente campanha eleitoral ajudou a dar força (ainda insuficiente) à projecção no debate público de três temas incontornáveis na discussão sobre o presente e o futuro próximo do nosso País: a dívida pública e a necessidade da sua renegociação; as consequências do Tratado Orçamental e a necessidade da sua rejeição; e a preparação do País para a saída do euro.
São temas que definem uma clara linha divisória entre a possibilidade de afirmação e concretização de uma genuína política alternativa, patriótica e de esquerda, e a continuação, com recurso a formas e protagonistas diversos, da política de direita que tem vigorado nas últimas décadas.
A renegociação da dívida
Os dados mais recentes apontam para um montante da dívida pública portuguesa de 220 684 milhões de euros, o que corresponde a 132,3 por cento do PIB. Contrariando toda a retórica justificativa da política de exploração e empobrecimento imposta pelas troikas, nos últimos três anos o crescimento da dívida foi substancial – superior a 50 mil milhões de euros. A prolongada e acentuada quebra no produto acentuou o seu peso relativo face à riqueza produzida.
Esta dívida colossal acarreta custos colossais para o País. Em 2014, o serviço da dívida (juros pagos sobre uma dívida sempre crescente, sem amortizações) rondará cerca de sete mil milhões de euros, uma ordem de grandeza semelhante a tudo o que o Estado gasta, num ano, como Serviço Nacional de Saúde.
A propaganda oficial tem referido que nos próximos anos Portugal receberá do orçamento da UE um envelope financeiro equivalente a cerca de 11 milhões de euros por dia, vindos de Bruxelas.
Pois bem, só em encargos com os juros da dívida, em 2014, o País será sangrado em cerca de 19 milhões de euros por dia. Nos próximos anos, se nada se fizer, a sangria continuará e acentuar-se-á.
O Tratado Orçamental
Tudo o que tem sido dito a respeito do Tratado Orçamental é mais ou menos elucidativo sobre o seu conteúdo e implicações. Mas este tratado é bem mais do que aquilo que sobre ele se tem dito e escrito na comunicação social dominante.
Relativamente à dívida pública, por exemplo, ele impõe aos países cuja respectiva dívida se situe acima dos 60 por cento do PIB uma «trajectória de ajustamento», que obriga a uma redução de 1/20 por ano da distância face a este valor de referência.
Há basicamente duas formas de fazer baixar o peso da dívida pública face ao PIB. Ou a economia cresce e, nesse caso, para o mesmo valor absoluto de dívida o rácio dívida/PIB decresce; ou então, na ausência de crescimento significativo – cenário previsível para os próximos anos, a manterem-se as políticas actuais, – para além dos custos com o serviço da dívida, a sangria de recursos públicos estende-se à amortização de parcelas dessa dívida.
Por esta razão, o actual Governo prevê a necessidade de o País alcançar saldos orçamentais primários positivos. Algo que o País nunca alcançou desde a adesão ao euro.
Sendo embora irrealistas tanto as previsões como os objectivos fixados pelo Governo, eles não deixarão de ser utilizados como justificação para uma ainda maior compressão da despesa pública (investimento e funções sociais do Estado) e para um ainda maior assalto aos rendimentos da população (saque fiscal, «moderação salarial», etc.).
Preparar a saída do Euro
A renegociação da dívida e a desvinculação de Portugal do Tratado Orçamental (ou a sua revogação) são condições necessárias mas não suficientes para libertar o País da prisão da «austeridade» permanente. Ainda que o País se libertasse destes dois constrangimentos, persistiriam outros, directa ou indirectamente associados ao euro, como o Pacto de Estabilidade.
Cá ficaria todo um cortejo de mecanismos de imposição e de chantagem, visando, entre outras coisas, apaziguar os «mercados», dos quais continuaríamos dependentes para o financiamento do Estado.
Cá ficaria uma política monetária e cambial decidida em Frankfurt, desajustada das especificidades e necessidades da economia nacional, da sua estrutura produtiva e capacidade exportadora. Cá ficariam a incapacidade de corrigir desequilíbrios com recurso a este instrumento e a consequente pressão permanente sobre os salários e o emprego. Cá ficariam as perdas de competitividade determinadas por uma moeda sobrevalorizada, em função dos interesses da Alemanha.
Assim, a preparação do País para a saída do euro será um elemento integrante da política alternativa, patriótica e de esquerda. A condução deste processo deve assegurar, em qualquer circunstância, uma intransigente defesa dos interesses do País, dos trabalhadores e do povo (dos seus rendimentos e poupanças).