Inaceitável

Anabela Fino

Passos e Seguro protagonizaram esta semana mais um capítulo da saga da alternância que há quase quatro décadas é servida aos portugueses como se de alternativa se tratasse. Cumprindo o ritual do faz-de-conta que só por dever de urbanidade se sentam à mesa das relações institucionais, Passos convidou Seguro e Seguro aceitou o convite de Passos para acertarem agulhas para o pós-troika, passo essencial ao que nos dizem para o «indispensável» consenso que o primeiro ministro tinha de apresentar na Alemanha onde foi a despacho com Merkel.

O resultado da diligência foi o que seria de esperar em vésperas de eleições. Seguro – não se sabe se inspirado na «violenta abstenção» inaugurada há algum tempo pelo PS, se na decisão «irrevogável» que catapultou Portas para vice-primeiro ministro – saiu de S. Bento armado de uma «divergência insanável» com Passos Coelho.

O que se seguiu merece figurar nos manuais da arte de bem indrominar a opinião pública. O dirigente do PS, mostrando que afinal sabe da poda, fez acompanhar a sua dita insanável divergência com o PSD pela prova de vida da convergência que efectivamente existe entre os dois partidos, como se de coisa de somenos se tratasse: lembrou que o PS votou favoravelmente o tratado orçamental e a introdução de uma regra de disciplina orçamental na lei de enquadramento orçamental, reiterou a fidelidade a esses instrumentos que em seu entender ninguém questiona e concluiu o óbvio, isto é, que não há motivo para os mercados se preocuparem.

Não fosse a mensagem ser mal interpretada internamente – que é como quem diz perceber-se como a divergência insanável, traduzida por miúdos, é uma incontornável convergência –, veio a terreiro Paulo Rangel munido de mais uns adjectivos para ajudar à cortina de fumo. A posição do PS é «radical» e «extremista», disse, e dá um «sinal erradíssimo quer aos nossos parceiros europeus, quer aos nossos credores, quer aos mercados». Estava dado o mote para mais uma mão cheia de comentários sobre divergências.

Alheios a estas guerras de alecrim e manjerona os mercados, como seria de esperar, não tugiram nem mugiram e na Alemanha a senhora Merkel cingiu-se ao essencial e constatou que tudo vai bem no reino da alternanciocracia portuguesa, ou seja, adjectivação à parte, PS e PSD convergem no essencial: os ditames da União Europeia são para cumprir custe o que custar.

Enquanto se aguarda pelas cenas dos próximos capítulos Seguro faz o que pode para escapar à pergunta óbvia que os portugueses gostariam de ver respondida: como se propõe o PS cumprir o tratado orçamental e um défice estrutural de 0,5 % do PIB (diferença entre as receitas e as despesas públicas) sem que isso signifique condenar ad aeternum o povo e o País à miséria, à regressão social, ao aprofundar das discriminações e das injustiças? Pelo que temos visto, é de esperar uma insanável capitulação radicalmente inaceitável.




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