Insanavelmente irrevogável
Depois de três horas de conversa com Passos Coelho na passada segunda-feira, o secretário-geral do PS declarou que «há entre o PS e o Governo uma divergência insanável» na definição da estratégia orçamental, acrescentando logo de seguida que «há um grande consenso, político e social» sobre a necessidade de o País «equilibrar as contas públicas», sublinhando os contributos dados pelos socialistas com a assinatura favorável do Tratado Orçamental e da regra de ouro na lei de enquadramento orçamental.
Tão pomposa declaração exige que se faça o exercício de tentar descobrir as insanáveis diferenças entre PS e PSD. E a tarefa revela-se de facto muito difícil. É que diferenças insanáveis pressupõem que haja temas e conteúdos, políticas concretas que os separem. E por mais que se puxe pela cabeça é difícil não tropeçar em insanáveis convergências, como o pacto de agressão assinado entre troikas, o tratado orçamental da União Europeia, a legislação laboral, os privilégios aos grandes grupos económicos na chamada reforma do IRC, para não ir mais longe na história do nosso País.
Ou seja: Seguro usa a expressão «divergência insanável» apenas como cortina de fumo para poder dizer publicamente, para os poderosos da União Europeia e os «mercados» ouvirem bem, que o consenso sobre o rumo da política de direita continua firme entre PS e PSD. Como aliás sempre esteve.
Veja-se o ensurdecedor silêncio do PS sobre a necessidade de demitir este Governo e de convocar eleições antecipadas. Dito da boca para fora, para que conste, o PS assume no discurso e na prática que espera serenamente que o Governo governe até ao fim do mandato, em 2015, que cumpra religiosamente o memorando da troika e diga que sim a tudo o que a troika estrangeira vai exigindo a cada nova «avaliação».
A decisão irrevogável de Paulo Portas durou meia dúzia de dias. Aceita-se apostas para saber quanto duram as divergências insanáveis de Seguro e Passos Coelho. Esta gente da troika nacional dá novo uso à teoria da relatividade, está bom de ver.