Áugias

Manuel Gouveia

Ignorando os gritos histéricos e queques contra o lixo que se acumulava, desprezando o cobarde paternalismo pequeno-burguês que compreende todas as greves que não o afectem, desmascarando os hipócritas que destroem o SNS mas de repente se fingem preocupados com a saúde pública, impôs-se a solidariedade do povo de Lisboa para com os trabalhadores, para com os homens e as mulheres que lhe limpam a cidade e que fizeram da sua greve uma arma da cidade.

A solidariedade para com os trabalhadores que recebem ordenados de miséria e a quem nos últimos anos têm roubado sistematicamente, reduzindo o valor do trabalho nocturno e suplementar, cortando nos subsídios e nas horas extraordinárias, aumentando a carga fiscal, congelando ou reduzindo o salário.

A solidariedade para com os trabalhadores que foram chamados a pagar a capitalização de uma Banca que não lhes pertence, os juros de uma dívida que não criaram, os custos de swaps que não negociaram, o buraco de um BPN de que não eram accionistas e os custos reais das múltiplas Parcerias Público-Privadas com que os capitalistas e os políticos ao serviço dos capitalistas têm expropriado o País.

A solidariedade para com os trabalhadores que todos os dias – e todas as noites – trabalham pela higiene e limpeza da cidade, enquanto aqueles que a cidade permitiu que fossem eleitos para a administrar conspiram com o capital buscando a forma deste ganhar dinheiro à custa da higiene e limpeza da cidade.

Estes homens e mulheres são imprescindíveis. Imprescindíveis quando trabalham e fazem mais bela, mais rica e mais salubre a nossa cidade, e imprescindíveis quando lutam, pois a nossa cidade, o nosso País, o nosso planeta, precisam de uma limpeza mais funda que arranque a porcaria entranhada, a exploração, a miséria, a solidão, o desespero e a tristeza, que nos liberte dos parasitas e do capitalismo, e à cidade devolva o odor a cravos e a sol.

E essa limpeza hérculea, infinitamente maior que a que exigiam os estábulos de Àugias, só está ao alcance do verdadeiro protagonista da História, que se forma e tempera na luta – a classe operária.




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