Thomaz, o Novo

Henrique Custódio


No início do Império Romano houve Plínio, o Velho e Plínio, o Novo. O primeiro era tio do segundo e ambos ficaram na História por causa do Velho, naturalista que morreu na erupção do Vesúvio no ano 79 dC, ao querer observar a catástrofe.

Plínio, o Novo ficaria nos anais romanos por escrever cartas a falar do tio.

Em Portugal também há dois Thomaz – o Velho e o Novo.

O primeiro chamava-se Américo Deus Rodrigues Thomaz, nasceu em 1894, enfiou-se na Marinha e de lá foi chamado por Salazar em 1958 para disputar eleições presidenciais com Humberto Delgado, que era apoiado maciçamente pela oposição. Na sequência de uma burla monumental, Thomaz «ganharia» por 75% contra 25%, que Salazar «consolidou» ao determinar, a seguir, que as eleições presidenciais passariam a ser indirectas e através dum «colégio eleitoral» de fascistas.

Thomaz, o Velho mostrou o que valia, em 16 anos de presidência. O seu calibre intelectual, político e cultural ficou plasmado num dos seus lendários discursos onde, numa inauguração qualquer, acometeu o enigma de saber se ali estava pela 14.ª ou pela 13.º vez, intercalando as duas hipóteses com a acutilante certeza de que, se era pela 14.º vez que ali estava, então a vez anterior era, forçosamente, a 13.ª.

A par desta lucidez, exibia uma obediência canina a Salazar e a mais óbvia irrelevância política. Ficou conhecido como o «Corta-fitas».

Desde que Thomaz, o Velho foi demitido em 1974 já houve seis novos presidentes em regime democrático, mas nenhum a ser apelidado de «irrelevante».

Até ao actual.

Cavaco Silva, neste segundo mandato, tornou-se alvo de crítica generalizada, incluindo no seu partido. Deixou-se (ou quis) aliar-se à política do Governo Passos/Portas e, desde a famosa crise de Julho de 2013, com demissões sucessivas do Gaspar das Finanças e do Portas das andanças, sofreu humilhações sucessivas do próprio Governo que protegia, incluindo na desvergonha das demissões e readmissões que nem lhe foram comunicadas quando dava posse e fôlego aos moribundos governantes. Mais grave ainda: deixou passar os OE flagrantemente inconstitucionais do Governo e sempre chumbados pelo TC, não teve uma única palavra a demarcar-se da ignóbil campanha de injúrias ao TC que o próprio Coelho e C.ª internacionalizaram e acabou tão ligado ao Executivo, que toda a gente o vitupera à vara larga, quer por não usar o seu poder constitucional para o demitir e convocar eleições antecipadas, quer por passar de conivente a apoiante activo desta política de desastre, ao constituir-se como o único suporte de vida do Governo.

Cavaco não exibe uma obediência canina (está-lhe mais à feição impor essas obediências) mas, não cumprindo nem fazendo cumprir a Constituição, como solenemente jurou e reiteradamente tem violado nos OE, autofagiou ele próprio o papel de mais alto magistrado da Nação e tornou-se uma irrelevância.

Notoriamente, um Thomaz, o Novo.

 



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