Os coisos e as greves do Metro

Manuel Gouveia

De cada vez que há uma greve no Metro há um animal que se destaca por uns dias. São os coisos, o único animal autocoprofágico, pois alimenta-se da própria porcaria que produz e retira desse processo um prazer enfermiço. Quando o dono lhe diz «escreve aí umas linhas contra as greves no Metro» eles transcendem-se, recopiam-se a si próprios, descobrem utentes onde só conheciam clientes «a greve traz-lhes muitos transtornos, não é?», relêem relatórios secretos com mentiras mil vezes desmentidas «os trabalhadores do Metro têm manicura paga pela empresa e massagistas em cada estação» e se o dono lhe reservar uma primeira página, o frenesim atinge um auge e o coiso até denuncia «os grevistas malvados que obrigam o governo bondoso a indemnizar os pobres banqueiros entregando-lhes as privilegiadas reformas superiores a 600 euros».

Mas este frenesim coisal não consegue esconder os protagonistas maiores desta estória, que são os mesmos que, como classe, protagonizam a História – os trabalhadores. Que quando lutam, e por umas horas recusam gerar a riqueza criada pelo seu trabalho, lembram-nos exactamente quem faz o país andar para a frente. Lembram-nos quem a cada dia nos transporta para o trabalho, para a escola, para o médico, para o cinema. Quem cada noite de Natal nos garante o transporte, mesmo naquela noite onde só circula quem a tal é obrigado pelo emprego ou pela solidão. Quem cada noite de Ano Novo transporta milhares e milhares que a festejam, incluindo muitos coisos, aqueles que não foram com os donos para o estrangeiro gastar em réveillons de luxo o dinheiro que roubaram ao povo.

Em 2013, os trabalhadores do Metro de Lisboa levantaram-se em greve a 15, 22 e 29 de Janeiro, 30 de Abril, 30 de Maio, 27 de Junho, 8 e 31 de Outubro, 19, 21 e 28 de Novembro e 19 de Dezembro. Mas foram roubados todos os dias, nesses e nos restantes 353 dias em que não fizeram greve. E porque não se submeteram, nem aos ladrões nem aos coisos que justificam a roubalheira, a sua luta faz parte do futuro que nasce da crescente recusa à política de direita. Porque Portugal tem futuro, com o trabalho e a luta de quem trabalha!



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