A fingir

Henrique Custódio

Há uma semana, as forças policiais portuguesas impuseram uma novidade: todas – literalmente todas as sete – concentraram-se diante da AR, em protesto contra o agravamento das condições sócio-profissionais de todos eles. Eram mais de 10 mil, uma percentagem muito elevada, como indiciava a mobilização feita por todos os sindicatos do sector. As reivindicações vão deste a falta do subsídio de fardamento a brutais cortes em matéria de combustíveis ou munições, o que levou a PJ a declarar que a verba atribuída no OE/2014 lhe permitirá funcionar apenas durante o primeiro trimestre, a par de queixas semelhantes das outras forças policiais, todas advertindo que, a continuar assim, é a qualidade e a eficácia do serviço policial que ficarão em causa.

Enquanto, no estrangeiro, a notícia deste enorme protesto causava alvoroço, o Governo centrou-se exclusivamente na subida das escadarias da entrada principal feita pelos manifestantes (retirando-se ordeiramente de seguida), transformando este pormenor marginal num «muito grave atentado ao Estado de direito» e ignorando olimpicamente as reivindicações apresentadas.

Entretanto o Governo, ele próprio, desde a posse que não pára de golpear violenta e acrescentadamente o Estado de direito, mas disso não fala, pois claro. O que significa vitupério e desprezo para com as polícias e os seus problemas, além de uma cega e perigosa indiferença perante a generalizada revolta que esta manifestação levou à AR.

Acresce ao entremez que o ministro do MAI, Miguel Macedo, decidiu «retaliar» despedindo o comandante-geral da PSP «para haver consequências», não descortinando qualquer «consequência» das exigências apresentadas pela gigantesca manifestação policial.

Outro concomitante episódio ocorreu no mesmo dia, com Mário Soares a promover um encontro na Aula Magna da Universidade de Lisboa em defesa da Constituição. A sala encheu-se completamente com comunistas, socialistas, bloquistas e uma plêiade de cidadãos do PSD e independentes da sociedade civil, confluindo numa exigência clara da demissão do Governo e do PR, que se limita a sustentar um Governo morto politicamente e odiado pela esmagadora maioria dos portugueses. A resposta do Executivo foi a mesma: ignorância total das exigências da sociedade civil em peso e alusões concentradas na exigência de demissão do PR – que Mário Soares acusou de ser apenas o sustentáculo do Governo e não o zelador da Constituição recorrentemente violada, «lendo» também os avisos de Soares sobre a possibilidade de revoltas incontroláveis como... um «apelo à violência».

É já odioso, este comportamento sem pinga de vergonha do Governo. Cercado por todo o lado de greves, fustigado por manifestações constantes e crescentes exigindo a sua demissão, Passos e Portas apenas conseguem arrastar o cadáver político sob protecção do PR e da troika. Só resta saber quanto tempo ainda aguentam a fingir que estão vivos.



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