Perigos e possibilidades…

Pedro Guerreiro

Irão foi alvo de san­ções im­postas pelos EUA e a União Eu­ro­peia

O de­no­mi­nado «plano de acção comum» al­can­çado pelo Irão com os EUA, a França, o Reino Unido, a Rússia, a China – os cinco mem­bros per­ma­nentes do Con­selho de Se­gu­rança das Na­ções Unidas – e a Ale­manha, no pas­sado fim-de-se­mana, em­bora sendo um «acordo pre­li­minar» e com al­cance li­mi­tado, já teve e con­ti­nuará a ter múl­ti­plas re­per­cus­sões.

Entre ou­tros as­pectos, que só a evo­lução pró­xima da si­tu­ação no Médio Ori­ente po­derá ajudar a com­pre­ender me­lhor, este «acordo pre­li­minar» re­co­nhece o di­reito do Irão – como acon­tece com qual­quer outro país sig­na­tário do Tra­tado de Não Pro­li­fe­ração (TNP) –, a de­sen­volver um pro­grama de uti­li­zação de energia nu­clear para fins pa­cí­ficos (in­te­grando, na­tu­ral­mente, a ca­pa­ci­dade tec­no­ló­gica e au­tó­noma de pro­cessar o en­ri­que­ci­mento de urânio), como tem vindo a ser afir­mado pelas au­to­ri­dades ira­ni­anas ao longo dos úl­timos dez anos. Ina­li­e­nável di­reito que al­guns querem con­di­ci­onar ou, mesmo, im­pos­si­bi­litar.

Recorde-se que, tendo como pre­texto o pro­grama nu­clear ira­niano e a pre­tensa in­tenção, sempre re­jei­tada pelas au­to­ri­dades deste país, de al­cançar a arma nu­clear, o Irão foi alvo de san­ções, de me­didas uni­la­te­rais ao nível di­plo­má­tico, fi­nan­ceiro e eco­nó­mico im­postas pelos EUA e a União Eu­ro­peia – à margem das Na­ções Unidas e do di­reito in­ter­na­ci­onal –, assim como de ame­aças de agressão, in­clu­sive nu­clear, e de ac­ções de au­tên­tico ter­ro­rismo de Es­tado, como o sis­te­má­tico as­sas­si­nato dos seus ci­en­tistas nu­cle­ares.

No en­tanto, a si­tu­ação de­monstra que o prin­cipal res­pon­sável pela tensão no Médio Ori­ente é o im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano pela sua es­tra­tégia re­co­lo­ni­za­dora, de in­ge­rência e de guerra, que visa o con­trolo desta re­gião e dos seus imensos re­cursos – con­subs­tan­ciada no de­no­mi­nado «Grande Médio Ori­ente» –, que tem em Is­rael o seu prin­cipal aliado. Is­rael que oprime o povo pa­les­ti­niano, que agride e ocupa ile­gal­mente ter­ri­tó­rios da Pa­les­tina, da Síria e do Lí­bano, e ameaça de agressão o Irão.

O «acordo pre­li­minar» agora al­can­çado ajuda a evi­den­ciar que o prin­cipal e real obs­tá­culo à eli­mi­nação das armas nu­cle­ares no Médio Ori­ente é Is­rael – que é a única po­tência nu­clear nesta re­gião, não é membro sig­na­tário do TPN e re­cusa sub­meter à mo­ni­to­ri­zação da Agência In­ter­na­ci­onal de Energia Ató­mica o seu pro­grama e ins­ta­la­ções nu­cle­ares –, e os EUA que as trans­portam nos seus meios aé­reos e ma­rí­timos e as ins­talam nas suas bases mi­li­tares, no­me­a­da­mente, nesta re­gião. Como con­tribui para sa­li­entar que, de uma forma mais geral, a questão fun­da­mental que se co­loca – e tantas vezes es­ca­mo­teada – é a ne­ces­si­dade e a justa exi­gência, pre­vista no TNP, de levar a cabo efec­tivas ne­go­ci­a­ções e me­didas que cessem a cor­rida a novas armas nu­cle­ares e as­se­gurem o de­sar­ma­mento nu­clear, no­me­a­da­mente por parte das po­tên­cias nu­cle­ares.

No en­tanto, há que estar atento. Con­ti­nu­arão a ser muitos os obs­tá­culos a uma so­lução ne­go­ciada e pa­cí­fica, no res­peito dos prin­cí­pios da Carta das Na­ções Unidas, para o pro­blema criado em torno do pro­grama nu­clear ira­niano. Não é de es­tra­nhar que mal foi anun­ciado o «acordo pre­li­minar», e apesar dos seus li­mites, logo se mo­vi­men­taram as forças para o co­locar em causa, fazer fra­cassar a opor­tu­ni­dade aberta por este e es­calar de novo a tensão e o con­flito.

Sem dú­vida que muitas ques­tões estão ainda por res­ponder – e o Iraque e a Líbia aí estão a alertar-nos. Mas como a re­a­li­dade de­monstra é a re­sis­tência e a luta dos povos contra a in­ge­rência e a agressão que são o maior obs­tá­culo aos in­tentos do im­pe­ri­a­lismo e o factor de­ter­mi­nante para a con­quista e de­fesa da so­be­rania e in­de­pen­dência na­ci­o­nais, do pro­gresso so­cial e da paz. É também assim no Médio Ori­ente, vejam-se os he­róicos exem­plos do povo pa­les­ti­niano e do povo sírio.



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