Simulacros

Filipe Diniz

Aos portugueses já não basta terem no governo do país um bando apostado em fazer-lhes a vida negra. Ainda têm que levar com os António Barreto, César das Neves e outros Pulido Valente. E tudo na mesma semana.

Que tem esta gente em comum? O reaccionarismo, está claro. No nosso País há uma extensa amostragem de variantes de formulação do reaccionarismo: esta gente representa a variante específica do «ódio». Não lhes basta situarem-se num campo, por opção e convicção. Todo o seu argumentário assenta no ódio ao campo oposto.

Uma recente definição psicológica do ódio é que consiste numa «emoção profunda, duradoura e intensa exprimindo animosidade, raiva, e hostilidade em relação a uma pessoa, grupo ou objecto». Assim, numa mesma infeliz semana, esse trio exprimiu-se em relação a Álvaro Cunhal, aos pobres e à Constituição da República no quadro da «reforma do Estado». Pulido Valente sobre Álvaro Cunhal, que desejava em Portugal «uma segunda Bulgária»; César das Neves sobre os pobres, que no fim de contas não o são, só fingem sê-lo (e, pior ainda, quem defenda o aumento do salário mínimo «é criminoso»); Barreto sobre a Constituição, que «há décadas está desajustada do país real». O que estes reaccionários se arrogam denunciar são, portanto, simulações: a simulação de um projecto patriótico e internacionalista, a simulação da pobreza, a simulação de uma lei fundamental.

Quando Barreto (e Soares) tomou em mãos a tarefa de destruir a Reforma Agrária, ela era bem real. Mas ainda hoje argumenta que o que combatia era a «colectivização da terra à maneira soviética», coisa que nunca existiu. É necessário precisar que para estes reaccionários real não é necessariamente o que existe, mas aquilo que tem que existir. Para esta gente real é o latifúndio, a terra a quem a trabalha é simulação; real é a pobreza e a exploração, mas os pobres e os explorados são simuladores; real é o atraso e a dependência nacional, mas uma posição patriótica é simulação. A sopa dos pobres é real, mas quem lá vai é simulador.

Uma coisa é certa: mais dia menos dia, o movimento real de transformação do estado das coisas actual reduzirá esta gente ao lugar que merece.




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