O partido do meio

Anabela Fino

Em entrevista publicada no Diário de Notícias de domingo, 17, João César das Neves (JCN), professor da Universidade Católica, economista, faz uma série de afirmações susceptível de pôr os cabelos em pé ao mais descabelado. Desde tiradas como «a maior parte dos pensionistas não são pobres e estão a fingir que são pobres» à garantia de que «subir o salário mínimo (…) é a melhor maneira de estragar e destruir a vida dos pobres», passando pela asserção de que «nós não temos maus políticos, temos óptimos políticos (…) o problema são os eleitores», há de tudo nesta entrevista em que JCN pretensamente analisa o estado da nação. Há até a muito curiosa afirmação que «em Portugal somos todos de esquerda, não há ninguém de direita».

Certamente por coincidência, a entrevista aparece na mesma edição em que se dá conta do lançamento, pelo eurodeputado Rui Tavares (RT), do Livre, cujo é apresentado como pretendendo vir a ser o novo partido do «meio da esquerda».

Desconhece-se como terá RT determinado o «meio da esquerda», tal como se desconhece como pode JCN fingir ignorar que 64% dos pensionistas (no conjunto da Segurança Social e da CGA) recebem menos de 419 euros por mês.

O que se sabe é que RT situa o meio da dita algures entre o PS e BE, o que não deixa de ser significativo quanto à «esquerda» em que pretende assentar o Livre: mais à esquerda do que a «esquerda» do PS que no entanto se situa à direita do BE, e menos à esquerda do que a «esquerda» do BE o que manifestamente representa uma deslocação para a direita. Certamente tendo presente a dificuldade dos potenciais interessados em tirar os azimutes do Livre, RT lá foi dizendo que o novo partido quer promover a «realização de convergências abertas» na esquerda (qual delas?) e tem como primeiro objectivo «libertar Portugal da dependência financeira» através de «um memorando do desenvolvimento» que promova o crescimento do País. E como? Mantendo Portugal na zona euro e aprofundando a construção europeia, pois claro, ou não tivesse o Livre como pilares «liberdade, esquerda, Europa e ecologia».

Como diz JCN – isto anda tudo ligado – em Portugal somos todos de esquerda. Até ele. Nem que seja da esquerda do risco ao meio.




Mais artigos de: Opinião

O capitalismo mata!

O mundo ficou chocado com os efeitos do tufão Haiyan nas Filipinas. Os números são ainda incertos mas apontam para cerca de 10 000 mortos e mais de 4 300 000 pessoas afectadas. É um exemplo, muito doloroso, de como a espécie humana é vulnerável à força...

«Guerra Psicológica»

O conceito de «guerra psicológica» foi vulgarizado em Portugal, nos anos 60 do século XX, com a guerra colonial. O seu uso na história da humanidade remonta à «Arte da Guerra» de Sun Tzu, mas foi alçada a política de Estado pelo «Ministério da...

Simulacros

Aos portugueses já não basta terem no governo do país um bando apostado em fazer-lhes a vida negra. Ainda têm que levar com os António Barreto, César das Neves e outros Pulido Valente. E tudo na mesma semana. Que tem esta gente em comum? O reaccionarismo, está claro. No...

A balançar

Neste momento, o que protege o Governo e o Presidente da República do escárnio público é o cordão sanitário que, em nome da «segurança do Estado», as forças policiais asseguram à volta de todos e de cada um destes protagonistas do actual...

Na rua para os pôr na rua

Exploração, empobrecimento, roubo nos salários, pensões e reformas, destruição dos serviços públicos, desemprego, três milhões de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza, dez mil pessoas por mês a abandonarem o País, colossais transferências financeiras para o capital: este é o dia-a-dia que enfrentam milhões de pessoas, a realidade que o Governo, o capital e o seu bando de comentaristas procuram esconder com o recurso à hipocrisia, demagogia e a mentira (a abertura dos telejornais com notícias de crescimento económico, diminuição do desemprego ou ouvir o irrevogável Paulo Portas afirmar que não quer um modelo de baixos salários para o País, é bem revelador do estado a que isto chegou).