O «Semestre Europeu» e o PS
O que é o «Semestre Europeu»? Nas palavras de quem o criou: um ciclo de coordenação das políticas económicas e orçamentais na União Europeia. Centra-se no período dos primeiros seis meses de cada ano e por isso se chama «semestre»(1). A resposta abre caminho a duas outras perguntas: como funciona este «semestre europeu», ou seja, como se faz a dita «coordenação»? E, não sendo a coordenação um fim em si mesma, qual o conteúdo das políticas que se quer «coordenar»?
Sejamos práticos: os beneficiários das políticas da UE, mesmo perante a evidência do desastre a que estas nos trouxeram, não desistem de as prosseguir. Mas precisamente por causa desse desastre, a continuada prossecução dessas mesmas políticas exige novos e reforçados mecanismos, adornados com as habituais doses de farsa, mentira e mistificação. Assim, o desastre é apresentado não como resultado das políticas seguidas – que o é de facto – mas como resultado da deficiente implementação das políticas, que devem por isso mesmo ser reforçadas. Como reforçados devem ser os mecanismos para forçar a implementação dessas políticas. O «Semestre Europeu» (como a chamada «Governação Económica», em que se insere) cumpre esta função.
O procedimento, algo complexo, divide-se em três fases distintas. Na primeira fase, por proposta da Comissão Europeia e decisão do Conselho (onde, não é demais relembrar, seis grandes países detêm 70 por cento dos votos, não indo Portugal além dos dois por cento de votos) são elaboradas orientações políticas (sic) gerais a ter em conta pelos estados-membros. Na segunda fase, os estados-membros devem apresentar dois tipos de documentos: os «programas de estabilidade e convergência», traduzindo, os planos orçamentais a médio prazo (isto, está claro, vários meses antes de o assunto ser discutido nos respectivos parlamentos nacionais) e os «programas nacionais de reforma», ou seja, as tão faladas «reformas estruturais». Estes dois documentos devem reflectir as «orientações políticas» anteriormente estipuladas pela UE. Ainda no decurso desta segunda fase, a Comissão Europeia avalia os planos dos estados-membros, avaliando, em particular, em que medida as referidas orientações políticas foram ou não tidas em boa conta. Na sequência deste exercício, a Comissão volta a elaborar novas orientações, mas neste caso já específicas, por país, que serão novamente aprovadas pelo Conselho. A fechar o semestre, os estados-membros devem implementar o que foi decidido. Em particular, devem integrar na preparação dos seus orçamentos e nas suas «reformas estruturais» as directrizes específicas elaboradas pelo directório da UE e pela eurocracia ao seu serviço.
Pelo caminho, estão previstos os necessários mecanismos de enforcement, que incluem sanções (automáticas, semi-automáticas...) aos relapsos preguiçosos e prevaricadores na implementação das orientações da UE.
Importa acrescentar que os países, como Portugal, que estejam sob um «programa de assistência financeira», estão temporariamente dispensados da apresentação dos referidos planos, cabendo-lhe apenas garantir a «implementação diligente do programa de ajustamento, o qual já abrange estas políticas»(2).
O PS, cá e lá
Mas estando o «Semestre Europeu» a ser posto em prática desde 2011 – com o entusiástico apoio de PS, PSD e CDS, cabe perguntar: por que voltamos ao assunto agora? Ora tudo isto vem a propósito da aprovação, na última sessão plenária do Parlamento Europeu, de um relatório, de que foi relatora uma deputada do PS, «sobre o Semestre Europeu para a Coordenação das Políticas Económicas: aplicação das prioridades para 2013»(3).
Numa altura em que o PS, a nível nacional, por opção própria colado ao programa da troika, que seu é, se esforça por descolar da acção do Governo que implementa esse programa, este relatório merece ser lido e relido.
Num procedimento típico da social-democracia, dando o seu acordo e legitimando o «Semestre Europeu», a relatora vai espalhando pelo relatório alguns floreados «sociais» e uma ou outra pitada de «necessidade de legitimação democrática».
Avança com a recomendação, tida como extraordinário avanço, de que os países excedentários invistam e aumentem salários – para assim comprarem o produto do trabalho de trabalhadores miseravelmente pagos, nos países, como Portugal, destinados a uma inserção cada vez mais subordinada e periférica na divisão internacional do trabalho.
E, inevitavelmente, logo a abrir, «acolhe positivamente as recomendações específicas por país apresentadas pela Comissão».
Que recomendações são essas? Vejamos o caso de Portugal(4): cumprimento das metas do défice estabelecidas pela troika (que Seguro, cá, diz querer rever), reduções suplementares da massa salarial (que Seguro, cá, verbera), redução do consumo público (idem), medidas ditas permanentes de «consolidação orçamental» (lá veremos Seguro a discutir com Paulo Portas a reforma do Estado...), privatizações (aqui não haverá problema de maior, o entendimento é total), entre outras que tais...
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(1) http://www.consilium.europa.eu/special-reports/european-semester
(2)http://www.consilium.europa.eu/special-reports/european-semester/how-does-the-european-semester-work
(3)http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?type=REPORT&reference=A7-2013-0322&format=XML&language=PT
(4)http://ec.europa.eu/europe2020/pdf/nd/edp2013_portugal_pt.pdf