Comentário

O «Semestre Europeu» e o PS

João Ferreira

O que é o «Se­mestre Eu­ropeu»? Nas pa­la­vras de quem o criou: um ciclo de co­or­de­nação das po­lí­ticas eco­nó­micas e or­ça­men­tais na União Eu­ro­peia. Centra-se no pe­ríodo dos pri­meiros seis meses de cada ano e por isso se chama «se­mestre»(1). A res­posta abre ca­minho a duas ou­tras per­guntas: como fun­ciona este «se­mestre eu­ropeu», ou seja, como se faz a dita «co­or­de­nação»? E, não sendo a co­or­de­nação um fim em si mesma, qual o con­teúdo das po­lí­ticas que se quer «co­or­denar»?

Se­jamos prá­ticos: os be­ne­fi­ciá­rios das po­lí­ticas da UE, mesmo pe­rante a evi­dência do de­sastre a que estas nos trou­xeram, não de­sistem de as pros­se­guir. Mas pre­ci­sa­mente por causa desse de­sastre, a con­ti­nuada pros­se­cução dessas mesmas po­lí­ticas exige novos e re­for­çados me­ca­nismos, ador­nados com as ha­bi­tuais doses de farsa, men­tira e mis­ti­fi­cação. Assim, o de­sastre é apre­sen­tado não como re­sul­tado das po­lí­ticas se­guidas – que o é de facto – mas como re­sul­tado da de­fi­ci­ente im­ple­men­tação das po­lí­ticas, que devem por isso mesmo ser re­for­çadas. Como re­for­çados devem ser os me­ca­nismos para forçar a im­ple­men­tação dessas po­lí­ticas. O «Se­mestre Eu­ropeu» (como a cha­mada «Go­ver­nação Eco­nó­mica», em que se in­sere) cumpre esta função.

O pro­ce­di­mento, algo com­plexo, di­vide-se em três fases dis­tintas. Na pri­meira fase, por pro­posta da Co­missão Eu­ro­peia e de­cisão do Con­selho (onde, não é de­mais re­lem­brar, seis grandes países detêm 70 por cento dos votos, não indo Por­tugal além dos dois por cento de votos) são ela­bo­radas ori­en­ta­ções po­lí­ticas (sic) ge­rais a ter em conta pelos es­tados-mem­bros. Na se­gunda fase, os es­tados-mem­bros devem apre­sentar dois tipos de do­cu­mentos: os «pro­gramas de es­ta­bi­li­dade e con­ver­gência», tra­du­zindo, os planos or­ça­men­tais a médio prazo (isto, está claro, vá­rios meses antes de o as­sunto ser dis­cu­tido nos res­pec­tivos par­la­mentos na­ci­o­nais) e os «pro­gramas na­ci­o­nais de re­forma», ou seja, as tão fa­ladas «re­formas es­tru­tu­rais». Estes dois do­cu­mentos devem re­flectir as «ori­en­ta­ções po­lí­ticas» an­te­ri­or­mente es­ti­pu­ladas pela UE. Ainda no de­curso desta se­gunda fase, a Co­missão Eu­ro­peia avalia os planos dos es­tados-mem­bros, ava­li­ando, em par­ti­cular, em que me­dida as re­fe­ridas ori­en­ta­ções po­lí­ticas foram ou não tidas em boa conta. Na sequência deste exer­cício, a Co­missão volta a ela­borar novas ori­en­ta­ções, mas neste caso já es­pe­cí­ficas, por país, que serão no­va­mente apro­vadas pelo Con­selho. A fe­char o se­mestre, os es­tados-mem­bros devem im­ple­mentar o que foi de­ci­dido. Em par­ti­cular, devem in­te­grar na pre­pa­ração dos seus or­ça­mentos e nas suas «re­formas es­tru­tu­rais» as di­rec­trizes es­pe­cí­ficas ela­bo­radas pelo di­rec­tório da UE e pela eu­ro­cracia ao seu ser­viço.

Pelo ca­minho, estão pre­vistos os ne­ces­sá­rios me­ca­nismos de en­for­ce­ment, que in­cluem san­ções (au­to­má­ticas, semi-au­to­má­ticas...) aos re­lapsos pre­gui­çosos e pre­va­ri­ca­dores na im­ple­men­tação das ori­en­ta­ções da UE.

Im­porta acres­centar que os países, como Por­tugal, que es­tejam sob um «pro­grama de as­sis­tência fi­nan­ceira», estão tem­po­ra­ri­a­mente dis­pen­sados da apre­sen­tação dos re­fe­ridos planos, ca­bendo-lhe apenas ga­rantir a «im­ple­men­tação di­li­gente do pro­grama de ajus­ta­mento, o qual já abrange estas po­lí­ticas»(2).

 O PS, cá e lá

Mas es­tando o «Se­mestre Eu­ropeu» a ser posto em prá­tica desde 2011 – com o en­tu­siás­tico apoio de PS, PSD e CDS, cabe per­guntar: por que vol­tamos ao as­sunto agora? Ora tudo isto vem a pro­pó­sito da apro­vação, na úl­tima sessão ple­nária do Par­la­mento Eu­ropeu, de um re­la­tório, de que foi re­la­tora uma de­pu­tada do PS, «sobre o Se­mestre Eu­ropeu para a Co­or­de­nação das Po­lí­ticas Eco­nó­micas: apli­cação das pri­o­ri­dades para 2013»(3).

Numa al­tura em que o PS, a nível na­ci­onal, por opção pró­pria co­lado ao pro­grama da troika, que seu é, se es­força por des­colar da acção do Go­verno que im­ple­menta esse pro­grama, este re­la­tório me­rece ser lido e re­lido.

Num pro­ce­di­mento tí­pico da so­cial-de­mo­cracia, dando o seu acordo e le­gi­ti­mando o «Se­mestre Eu­ropeu», a re­la­tora vai es­pa­lhando pelo re­la­tório al­guns flo­re­ados «so­ciais» e uma ou outra pi­tada de «ne­ces­si­dade de le­gi­ti­mação de­mo­crá­tica».

Avança com a re­co­men­dação, tida como ex­tra­or­di­nário avanço, de que os países ex­ce­den­tá­rios in­vistam e au­mentem sa­lá­rios – para assim com­prarem o pro­duto do tra­balho de tra­ba­lha­dores mi­se­ra­vel­mente pagos, nos países, como Por­tugal, des­ti­nados a uma in­serção cada vez mais su­bor­di­nada e pe­ri­fé­rica na di­visão in­ter­na­ci­onal do tra­balho.

E, ine­vi­ta­vel­mente, logo a abrir, «acolhe po­si­ti­va­mente as re­co­men­da­ções es­pe­cí­ficas por país apre­sen­tadas pela Co­missão».

Que re­co­men­da­ções são essas? Ve­jamos o caso de Por­tugal(4): cum­pri­mento das metas do dé­fice es­ta­be­le­cidas pela troika (que Se­guro, cá, diz querer rever), re­du­ções su­ple­men­tares da massa sa­la­rial (que Se­guro, cá, ver­bera), re­dução do con­sumo pú­blico (idem), me­didas ditas per­ma­nentes de «con­so­li­dação or­ça­mental» (lá ve­remos Se­guro a dis­cutir com Paulo Portas a re­forma do Es­tado...), pri­va­ti­za­ções (aqui não ha­verá pro­blema de maior, o en­ten­di­mento é total), entre ou­tras que tais...

 

______________

 (1) http://​www.con­si­lium.eu­ropa.eu/​spe­cial-re­ports/​eu­ro­pean-se­mester

(2)http://​www.con­si­lium.eu­ropa.eu/​spe­cial-re­ports/​eu­ro­pean-se­mester/​how-does-the-eu­ro­pean-se­mester-work

(3)http://​www.eu­ro­parl.eu­ropa.eu/​sides/​getDoc.do?type=RE­PORT&re­fe­rence=A7-2013-0322&format=XML&lan­guage=PT

(4)http://​ec.eu­ropa.eu/​eu­ro­pe2020/​pdf/​nd/​edp2013_­por­tu­gal_pt.pdf



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