I Sessão: O homem, o comunista, intelectual e o artista

Percurso exemplar

Em Álvaro Cunhal, o pensamento e a acção são um todo coerente

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A primeira sessão do Congresso, que decorreu na manhã de sábado, procurou evidenciar os aspectos mais salientes do percurso político, intelectual e artístico de Álvaro Cunhal. Nessa sessão, moderada por José Capucho, membro do Secretariado do Comité Central, os temas centrais foram apresentados pelo professor universitário José Barata Moura, por Aurélio Santos (durante largos anos dirigente do PCP, que trabalhou muito de perto com Álvaro Cunhal) e pelo artista plástico Manuel Augusto Araújo. O dirigente do Partido dos Comunistas Italianos Fausto Sorini partilhou a sua reflexão sobre Álvaro Cunhal e o conteúdo da marcante entrevista que lhe fez em 1994 para os «Quaderni Comunisti», do então recém-criado Partido da Refundação Comunista, ao qual pertencia.

Abordando a «dialética relação interactiva» existente entre Álvaro Cunhal e o Partido Comunista Português, José Barata Moura começou por ironizar com os que – «dos extremos do direitame remordido às extremas do esquerdume empertigado, passando pelo esfregaço das meias-tintas desbotadas» – se referem ao «PC» como o «partido de Cunhal». Em sua opinião, sendo certo que o PCP «não é, nem nunca foi, propriedade do cidadão Álvaro Cunhal», não o é menos que ele «honra-se, beneficiou e beneficia de o camarada Álvaro Cunhal a ele pertencer»: como militante e dirigente destacado; como obreiro seguro na configuração e defesa da sua identidade; como fonte de inspiração.

Lembrando que a «fórmula partido» (comunista) «não cai do céu nem é para as nuvens que aponta», o filósofo destacou aspectos fundamentais da reflexão de Álvaro Cunhal sobre o Partido, particularmente os que se prendem com a sua natureza e identidade: se a primeira é, antes de mais, «o fulcro da própria autonomia de orientação», a segunda é o «fiel de uma balança de fidelidades que – no sopesamento da variação dos tempos e das suas condições – se criam, e recriam, sem que o Norte, pelos caminhos, se venha a perder».

Ambas constituem, concluiu, uma «plataforma poderosa e um esteio para enfrentar com êxito os desafios que se colocam» e para sobre eles intervir.

Ao serviço de uma causa

Aurélio Santos, por seu lado, salientou que Álvaro Cunhal «escolheu gastar a vida por inteiro ao serviço de uma causa, de um ideal», sendo precisamente isso que «faz os homens diferentes, lhes dá outra dimensão, os torna grandes». Valorizando a coerência da sua visão do mundo – o Álvaro Cunhal «que encontramos na prática política não diverge de Manuel Tiago autor dos romances, nem do Álvaro dos desenhos da prisão» –, o antigo dirigente do PCP destacou ainda o facto de Álvaro Cunhal não ter uma «visão mecânica e determinista da História. Como marxista, sabia que os homens são donos do seu próprio destino, são o sujeito da História, a força motriz do processo social. Por isso, não ficou à espera (…). Escolheu dedicar a sua vida à grande causa das forças humanas capazes de transformar a sociedade e de construir uma sociedade mais justa – a sociedade comunista».

Para Álvaro Cunhal, o marxismo-leninismo «não era uma doutrina abstracta, um esquema rígido a que se deveria formatar a multiplicidade da vida», afirmou Aurélio Santos, destacando a aplicação criativa desta doutrina à realidade portuguesa (nas várias épocas e situações), nunca a colocando «acima da confrontação com a realidade». A situação que o País actualmente atravessa comprova, garante Aurélio Santos, a «justeza do seu pensamento».

Não sendo possível resumir numa qualquer intervenção a «valiosa contribuição de Álvaro Cunhal para a formação e desenvolvimento do PCP», o antigo dirigente do Partido realçou que «toda a sua actividade partidária teve como principal preocupação fazer do PCP um partido revolucionário, capaz de intervir activamente em cada fase da vida política e nos mais variados aspectos respeitantes aos trabalhadores e às massas populares».

Arte, cultura e luta

«Actualidade e urgência de “A Arte, o Artista e a Sociedade”» foi o título da comunicação de Manuel Augusto Araújo, que abordou não só a vertente de Álvaro Cunhal como pensador da arte e da estética, mas igualmente a forma como via a integração da luta pela cultura com as lutas mais gerais «pela transformação da vida». Remetendo para a «mais importante reflexão que fez sobre cultura no pós-25 de Abril» – a intervenção proferida na primeira assembleia do Sector das Artes e Letras da Organização Regional de Lisboa do PCP, em 1977 –, Manuel Augusto Araújo lembrou a afirmação, feita nessa ocasião pelo dirigente comunista, de que «quem restringe o acesso aos bens materiais restringe também a recepção dos bens espirituais». Assim, denunciava ainda Álvaro Cunhal, a política anti-operária e antipopular prosseguida pelo governo de então (PS/CDS) – e pelos que se lhe seguiram, acrescentamos nós – era «forçosa e logicamente uma política anticultural».

No que respeita ao pensamento estético de Álvaro Cunhal, Manuel Augusto Araújo salientou a defesa de uma arte de intervenção, que tantas vezes surgia lado a lado com a inquietação com o «vazio formal de muitas obras que se querem de intervenção». Mais do que o que o artista quis fazer, «é aquilo que realmente fez», escreveu numa ocasião – uma crítica extensível igualmente aos defensores da arte «pura, limpa de qualquer referência que não seja a forma». 




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