Política de segregação
A Associação Portuguesa de Deficientes (APD), a Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes (CNOD) e a Federação Nacional dos Professores estão a preparar uma queixa conjunta, a apresentar à UNESCO e à OIT, no início do 2.º período lectivo, caso não haja alteração da grave situação que se vive actualmente na Educação Especial.
Clara violação das leis nacionais e internacionais
A decisão foi anunciada na quinta-feira, em conferência de imprensa conjunta. Presidida por Ana Simões, responsável do Departamento de Educação Especial da Fenprof, a mesa deste encontro com a comunicação social contou com a participação de Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, e de Ana Sesudo e José Reis, presidentes da APD e da CNOD, respectivamente, que discordaram da intenção do Governo de retirar os alunos com necessidades especiais educativas (NEE) das escolas públicas, colocando-os em instituições e substituindo o apoio de docentes especializados, pela «guarda» a cargo de técnicos, monitores e mediadores.
«Perante situação tão deplorável que se vive hoje na Educação Especial (EE) e face às múltiplas denúncias que terá recebido, um grupo parlamentar, no caso o do PCP, tornou público que requereu a presença do ministro da Educação na Assembleia da República, para esclarecer a situação da EE, das crianças com NEE que não são devidamente apoiadas, bem como as condições materiais e humanas de que as escolas dispõem para darem respostas adequadas, mas terá sido inviabilizada essa presença pelos votos da maioria PSD/CDS», informou Ana Simões.
A dirigente da Fenprof, para além de considerar «lamentável» a inviabilização, acusou ainda o Governo e a sua maioria parlamentar de quererem, por um lado, «continuar a criar dificuldades ao normal funcionamento das escolas públicas para, assim, as desacreditar perante as famílias» e, por outro, «criar condições para que as crianças e jovens com NEE voltem a ser educadas em ambiente segregado».
Atropelos à lei
Ana Sesudo chamou a atenção dos jornalistas para «a forma vergonhosa como o ano lectivo começou», com inúmeras situações de «atropelos à lei, de irregularidades varias e flagrantes». «Temos escolas que recusaram a matrícula de alunos com NEE, em clara violação das leis nacionais e internacionais», alertou a dirigente da APD.
José Reis valorizou, por seu lado, o papel dos órgãos de comunicação social na divulgação desta realidade, destacando a necessidade de unir vontades e esforços para «intervir e ultrapassar situações muito difíceis», de «injustiça e discriminação», que se estão a viver um pouco por todo o País, «apoiando as famílias e as escolas».
Mário Nogueira reclamou a demissão do ministro da Educação e Ciência, uma vez que a situação dos alunos com necessidades educativas especiais «nunca foi tão grave» como agora. «Nós lemos os quadros legais nacionais sobre a educação especial e vemos que são dos mais avançados e dos mais progressistas, mas depois o articulado da legislação já é o que é, isto é, já não corresponde bem ao preâmbulo, as práticas são a negação do preâmbulo e o ministro da Educação é a negação daquilo que deve ser um ministro», acusou o secretário-geral da Fenprof.
Fenprof exige respeito pelo indivíduo
Milhares de alunos excluídos
Num documento distribuído aos jornalistas, a Fenprof, contestando o que está a acontecer neste ano lectivo, promete continuar a defender a inclusão plena dos alunos com necessidades educativas especiais (NEE) junto dos seus pares. «É assim que o desenvolvimento e a formação pessoal de todos se irá traduzir no respeito por cada indivíduo», salienta a Federação, reafirmando que os conceitos de NEE e de elegibilidade destes alunos «têm de assentar em critérios pedagógicos» e «não serem estabelecidos por uma classificação internacional de funcionalidade que tem um carácter clínico».
«O conceito de NEE imposto pelos governantes nacionais excluiu milhares de alunos, um número que cresce de ano para ano, que deveriam beneficiar do apoio dos docentes de Educação Especial (EE)», defende a Fenprof, que acompanha as exigências dos docentes de EE, mas naturalmente, também, dos alunos com NEE, das suas famílias e das organizações representativas das pessoas com deficiência, em relação às condições físicas e equipamentos adaptados.
Neste sentido, a Fenprof considera «inaceitável» que, nas disciplinas de carácter experimental, as turmas com 20 alunos, incluindo alunos com NEE, não sejam desdobradas, viabilizando o trabalho com esses alunos.
O mesmo sucede com a exigência de escolas realmente dotadas de recursos humanos necessários (docentes e não docentes) que permitam responder às necessidades educativas de cada um, desde a intervenção precoce até ao fim da escolaridade obrigatória, agora de 12 anos, o que obriga a dotar as escolas secundárias dos necessários lugares do quadro.
Exige-se, ainda, segundo a Federação, o apoio a alunos com NEE também ao nível de outras respostas educativas, designadamente no ensino profissional e no ensino superior.
Dar as respostas necessárias
Defender uma escola inclusiva
Porque todos os alunos têm direito à igualdade de oportunidades, é necessário uma profunda reorganização do sector, sendo inaceitável a revisão da legislação da Educação Especial (EE), incluindo a Intervenção Precoce. «É obrigatória que seja dada a resposta adequada às necessidades de todos os alunos que apresentem dificuldades de aprendizagem, independentemente do seu grau, natureza ou tempo de duração», salienta a Fenprof.
Neste contexto, agravado pelo incumprimento da legislação sobre a constituição de turmas, pelo corte de professores nas escolas e pelo atraso na colocação dos que ainda restam, em que há ainda alunos em casa por não poderem frequentar a escola, a Federação, em conjunto com a Associação Portuguesa de Deficientes e a Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes, decidiu, desde já, pedir reuniões, com carácter de urgência, à Comissão de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República, ao presidente do Conselho Nacional de Educação e ao Ministério de Educação e Ciência, com o objectivo de colocar preocupações, apresentar propostas e exigir soluções.
A Fenprof, a APD e a CNOD vão, ainda, preparar uma queixa a apresentar à UNESCO e à OIT (Organização Internacional do Trabalho), no início do 2.º período lectivo, caso não haja alteração da actual situação, por grave desrespeito de compromissos internacionais assumidos pelo Estado português, designadamente a Declaração de Salamanca, que subscreveu, e a Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, recentemente ratificada pelo nosso País, mas violada, desde logo, pelo que se passa nas escolas.
Por outro lado, será dado apoio jurídico às famílias que, por razões fundadas, designadamente impedimento de matrícula dos seus filhos, pretendam apresentar queixa em tribunal; será apresentada, em sede de Conselho Económico e Social, uma proposta no sentido de ser elaborado um estudo em que resulte um parecer sobre a situação da Educação Especial em Portugal; e, por último, serão encetados contactos com outras organizações, visando o alargamento de um movimento em defesa da escola inclusiva, designadamente do movimento associativo de pais e encarregados de educação, do movimento associativo estudantil, organizações representativas dos trabalhadores não docentes das escolas e outras que actuem no espaço educativo e social em defesa da verdadeira inclusão.