Anticomunismo em trajes menores
No passado dia 3, ao olhar de relance as capas dos jornais diários reparei que no jornal «i» vinha, em grande destaque na primeira página, uma notícia sobre o PCP e a Fotobiografia de Álvaro Cunhal. Pensei: - miragem ou alucinação: o jornal «i» a dar honras de primeira página ao Partido Comunista?!
Mas o espanto logo cedeu lugar à indignação. No interior do jornal, numa notícia abundantemente confusa, o jornalista, que comentava o comentário de um outro jornalista que (insolitamente) admitia que «não tinha a certeza» mas que na Fotobiografia de Cunhal, num «comportamento estalinista», o Dr. M. Soares tinha «provavelmente» sido cortado, Carlos Brito tinha «provavelmente» desaparecido, e Gorbatchov tinha sido ignorado…
Esta baralhada notícia, mal redigida, de conteúdo forçado, serviu apenas de pretexto para destilar um anticomunismo primário por métodos, diga-se a bem da verdade, bastante «démodés». Anticomunismo, aliás, muito conveniente na semana da Festa do Avante! e de eleições em que todas as sondagens apontam para um reforço da votação na CDU.
Creio ser senso comum, nas nossas casas e nas nossas vidas, dar destaque aos nossos maiores e melhores amigos. Ou não? Numa fotobiografia não é substancialmente diferente.
Para o PCP não existem pessoas mais importantes e menos importantes, existem pessoas. E se alguma ordem de importância houvesse que lhes dar, essa seria indiscutivelmente a da coerência de princípios. É aí que reside a importância e o legado de Álvaro Cunhal.
Se os muitos milhares de pessoas que privaram com Cunhal e não estão na Fotobiografia se lembrassem de protestar teríamos uma fila ainda maior do que as dos centros de emprego. Felizmente nem todos sofrem de vedetismo.
Há comentários que identificam muito mais quem os faz do que a quem são dirigidos. A notícia em questão é um auto-retrato de anticomunismo visceral, exibido de forma desbragada. (Bragas era como se chamavam as calças: desbragado quer dizer «sem calças», em ceroulas como se usava antigamente).
A «notícia» publicada pelo «i», escrita de forma desleixada, é jornalística e literariamente menor. É anticomunismo em trajes menores.
Ao sr. jornalista fica um conselho: - modernize-se, seja criativo. O jornalismo agradece.