Um conto e dois relatórios
Já se tornou comum ouvir os «especialistas» das troikas «explicar» que as medidas do Governo, por mais impopulares e dolorosas que sejam, constituem uma inevitabilidade decorrente do facto de, durante décadas, o País ter vivido acima das suas possibilidades, gastando à tripa forra (em saúde, educação, segurança social, melhoria das condições de vida...) dinheiro emprestado sem cuidar de que um dia havia de aparecer a factura. Mesmo os que questionam uma ou outra medida, seja por a considerarem um desaforo, seja por se sentirem atingidos, não põem em causa a necessidade de financiar a banca privada com dinheiros públicos, de entregar o que é público (e rentável) ao privado, de sacrificar o trabalho ao capital. E insistem que sim, que é preciso fazer mais sacrifícios; que sim, há que cortar na despesa pública; que sim, é preciso privatizar o que ainda resta do sector público...
Que as políticas europeias tenham produzido 120 milhões de pobres (dados de 2011), e que esse número corra o risco de «aumentar pelo menos de 15 milhões a 25 milhões, em resultado das medidas contínuas de austeridade», como alerta a Oxfam International no seu relatório, divulgado dia 12, com o curioso título «Um conto moral: o verdadeiro custo da austeridade e da desigualdade na Europa», é irrelevante.
Como irrelevante é o que há dias veio revelar outra organização – a SOMO, holandesa – num relatório em que revela como as grandes empresas, incluindo as que operam em Portugal, fogem aos impostos graças às leis nacionais e internacionais, sem que a UE e os países, Portugal incluído, levantem um dedo para o impedir. Só a parte legal dessa fuga ao fisco é estimada em 150 mil milhões de euros por ano, o que equivale ao orçamento anual de toda a UE. O montante, no que toca a multinacionais portuguesas (19 das cotadas no PSI20 têm «caixas de correio» fantasmas na Holanda), será de 2,5 mil milhões de euros de lucros correspondentes ao período de 2009 a 2011.
Nada disso importa. Cavaco, Passos, Portas e todos os outros mais ou menos disfarçados que só lêem pela cartilha do capital, dizem-nos que «não há dinheiro» é que é preciso levar mais longe o esbulho. E pensar que há gente a ir presa por roubar uma banana! Está na hora de dar outro fim a este conto sem moral.