Descalço vai... Formoso e não seguro
«O País já não se basta a si próprio. Não dependemos de nós para sair desta crise... (…) O país não depende de si próprio. E quem disser o contrário está a iludir os portugueses. Inseridos na Zona Euro, também dependemos de políticas definidas pela União Europeia.»
A afirmação é de António José Seguro (AJS) numa entrevista recente (25/07/2013) à revista Visão.
Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, não estamos apenas perante (mais) uma manifestação da singular clarividência do secretário-geral do PS. Na verdade, a frase sintetiza uma ideia que tem vindo a fazer caminho entre as fileiras do europeísmo luso: perante a evidência do resultado das políticas da UE, e bem assim do próprio processo de integração, não nos devemos conformar senão com o inevitável devir que nos trouxe à condição de Estado subordinado, dependente e periférico desta Europa connosco. Aceitando assim, com galhardia, a inevitabilidade dessa nossa condição de Europeus, impeditiva de tomarmos nas nossas mãos o nosso destino, tudo devemos fazer «para convencer os nossos credores», como diz AJS, sobre a necessidade de serem estes a mudarem de políticas.
O jornalista, oportuno, havia atirado: «Mas, então, muitas das suas propostas dependem de futuras negociações, cujo sucesso não pode garantir...». AJS, inconformado, não se ficou: «Mas qual é a solução alternativa para a dívida?... Quando me diz, e bem, que algumas das nossas propostas precisam da concordância dos parceiros europeus, eu digo: é verdade, mas é a única solução».
O jornalista, céptico, ainda atirará: «mas como se convence os outros?» Na benfazeja esteira de António Guterres, que dizia tratar por «tu» grande parte dos primeiros-ministros europeus, AJS, revelando a dimensão de homem de Estado que só predestinados logram atingir, esclarecia: «É que eu conheço boa parte dos líderes europeus, nomeadamente socialistas que estão no poder – poucos – e nas oposições».
Mais de trinta anos separam estas pérolas de AJS do «Europa connosco» do(s) seu(s) tutor(es) político(s) e ideológico(s). Num e noutro(s), o mesmo atavismo político, a mesma banha-da-cobra ideológica, a mesma cumplicidade de classe na acesa e vil tristeza nacional, mesmo se a criatura está longe ainda de igualar o(s) criador(es) em dissimulação e oportunismo.
A solução «global e europeia»
Que não restem, pois, dúvidas sobre o que daqui se pode esperar.
Afastando a ideia de uma renegociação da dívida, o PS defende, no «compromisso de salvação nacional»(1) que andou a negociar com PSD e CDS, uma «solução global e europeia para o problema das dívidas soberanas dos países da zona euro. A parte da dívida soberana superior a 60% do PIB deve ser gerida ao nível europeu».
O brilhantismo da ideia não pode ser inteiramente creditado a Seguro e à sua corte. A ideia não é nova e circula, faz algum tempo, nos círculos institucionais da UE.
A bem do rigor e clareza, eis algumas das condições do «Fundo de Resgate Europeu», defendido pelo PS(2) (devidamente ocultadas no seu «compromisso»):
– Os Estados-membros são obrigados a amortizar autonomamente (e integralmente) a dívida transferida ao longo de um período de referência de 25 anos;
– São aplicadas condições rigorosas aos Estados, tais como (I) a constituição de garantias; (II) o compromisso relativamente a planos de consolidação orçamental e reformas estruturais – mais concretamente, uma agenda vinculativa de reformas estruturais monitorizada pela Comissão Europeia (e certamente que orientada para o progresso e a justiça social, como tão bem sabemos e sentimos na pele);
– O não-cumprimento das obrigações estipuladas levará à suspensão das transferências para o país em causa e à perda da garantia depositada no Fundo.
Quanto à mirífica mutualização da dívida, a necessidade de acautelar o «risco moral» (de que os vícios da periferia se sustentem à custa das virtudes do centro) aponta para o estabelecimento de uma taxa de juro diferenciada por país, ou então para uma taxa de juro única, «associada a um sistema de compensaçã», segundo o qual «os Estados-membros com notações mais baixas compensem financeiramente os Estados-membros com melhores notações».
Tudo isto nos propõe o PS.
Esgotam-se os dias de vida do governo PSD-CDS. A percepção generalizada deste facto não foi perturbada pela encenação montada em torno da recente recauchutagem governamental. Os interesses de classe que beneficiam da acção do governo pretendem, evidentemente, que a sua política sobreviva ao seu actual executor. Entretanto, perfilam-se os aspirantes a continuadores desta política...
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(1) Disponível aqui: www.ps.pt
(2) Ver aqui resolução do Parlamento Europeu aprovada em Janeiro último, com votos favoráveis de PS, PSD, CDS e BE: www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-%2f%2fEP%2f%2fTEXT%2bTA%2bP7-TA-2013-0018%2b0%2bDOC%2bXML%2bV0%2f%2fPT&language=PT