À mangueirada

Henrique Custódio

 

O «faz de conta» é inerente ao poder, e no poder que se julga absoluto faz-se, desfaz-se e refaz-se ao bel-prazer dos mandantes.

O Governo Pedro e Paulo, apesar da ressonância bíblica do arranjo onomástico, chafurdou o postulado anterior ao nível do pilha-galinhas. Paulo Portas é já um ícone desse trapio.

O homem é a pose em pessoa e deve ter gastado um terço da vida activa a construir-se ao espelho. Na oposição, foi vários «Paulinhos» (das feiras, da lavoura, dos contribuintes, etc.) e na última dezena de anos ascendeu à «pose de Estado» da sua fremência e protagonizou, no proscénio do poder, as mais inauditas funambulices praticadas em democracia. Aí, no poder que, por duas vezes, lhe caiu no colo o Paulinho entrou em delírio. Na primeira vez, como ministro da Defesa, hipotecou o País em cerca de dois mil milhões de euros na compra nebulosa – e hoje sob investigação criminal – de dois submarinos, duas dúzias de torpedos e umas centenas de blindados Pandur (os submarinos vão, à vez, em missão por falta de combustível e boa parte dos blindados jazem num estaleiro do Barreiro às peças, imcompletos e por montar). Na segunda vez – no actual Governo –, Portas começou por ser ministro de Estado e dos NE, foi cumprindo a sua parte na demolição planificada das funções sociais do Estado e, à medida que a indignação popular crescia nas ruas, entrou na velha manha de fazer uma coisa e proclamar o seu contrário, procurando aparentar «oposição». E veio a crise das demissões de há um mês, primeiro Gaspar e logo a seguir Portas, o último numa decisão «irrevogável» comunicada ao País para, horas depois, «regressar» numa «coligação reconstruída» onde Passos lhe cedeu a vice-presidência e o comando económico e político do Governo, tudo apadrinhado pelo Presidente Cavaco que, nem oftalmologicamente, vislumbrou nesta anarquia qualquer desfuncionalidade nas instituições democráticas.

Mas, se Portas é um paradigma, todo o Governo Pedro e Paulo é um alfobre de impudicícia política e pessoal, onde também refulgem alguns expoentes.

Lembremo-nos dos currículos traficados (a licenciatura de Relvas) ou mentirosos por omissão (o do ex-secretário de Estado Franquelim Alves e o do recém-nomeado ministro Rui Machete, ambos ocultando as suas administrações na SLN, a proprietária da mega-fraude do BPN, ou ainda o do próprio Passos Coelho omitindo que foi administrador da Tecnoforma, empresa que está a ser investigada na UE por suspeita de uso fraudulento de fundos comunitários).

Isto sem esmiuçar o tráfico de influências instalado no País por este Governo (mas também por todos os anteriores, incluindo os do PS), quase institucionalizando uma vasta rede onde, publicamente, pontifica o compadrio e regurgita uma impunidade que já provoca o asco nacional.

É neste «faz de conta» levado ao paroxismo que a actual mixórdia governativa estrebucha, enlameando as instituições, o regime democrático e o País.

Há que varrê-los – e à mangueirada.

 

 

 

 

 



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