Revolução no Egipto?
Mantendo-se o essencial do poder mantiveram-se as suas contradições
Quando em 2011 eclodiram as grandes manifestações no Egipto, muitos foram os que se apressaram a rotular de «revolução» os acontecimentos. Para trás ficaram, escondidos dos holofotes mediáticos, anos de lutas do movimento sindical, dos agricultores, de muitos outros sectores profissionais e de forças políticas progressistas. Lutas de anos contra o regime ditatorial de Mubarak, mas sobretudo contra tudo o que ele significava. Lutas contra o empobrecimento generalizado, sobretudo após 1991, com a aplicação das políticas de «austeridade». Lutas contra as reformas impostas pelo mesmo FMI de destruição das heranças que ainda restavam do Nasserismo, nomeadamente no plano da educação e da saúde. Lutas contra os efeitos dramáticos das privatizações e da ocupação económica por parte das grandes multinacionais norte-americanas e europeias, com terríveis consequências no desemprego galopante entre uma população muito jovem. Lutas contra os acordos agrícolas que impuseram a destruição da agricultura no riquíssimo vale do Nilo, substituindo-a por importações das grandes multinacionais do agro-negócio europeias e norte-americanas.
Estas foram e são algumas das razões de fundo dos protestos no Egipto. Mas como afirmámos na altura seria ingenuidade pensar que o imperialismo, nomeadamente o imperialismo norte-americano, iria ficar de braços cruzados a ver o povo tomar conta dos destinos de um país muito importante para o domínio imperialista e sionista do Médio Oriente. Pelas suas riquezas naturais, pela importância económica de algumas das suas regiões (como a península do Sinai), pela importância decisiva do Canal do Suez e pelo facto de o Egipto ter um dos maiores exércitos da região, financiado, formado e treinado pelos EUA.
Assim foi. Reeditando alianças antigas entre imperialismo e o chamado «islamismo moderado» (a Irmandade Muçulmana) os EUA trataram de rapidamente «corrigir» o rumo dos acontecimentos, afastar o seu velho aliado Mubarak e abrir o caminho ao «novo poder». Não sem antes tomar as medidas para que o poder do exército (onde os EUA nunca deixaram de ter influência directa) sobre as instituições políticas permanecesse no essencial intocado e que os interesses das suas multinacionais igualmente. Se há realidade que os acontecimentos actuais no Egipto demonstram é que o essencial do poder económico e militar do imperialismo se manteve nas novas circunstâncias, após a eleição de Morsi. Só que mantendo-se o essencial do poder, mantiveram-se também as suas contradições e efeitos. E é isso que está na origem dos actuais acontecimentos. O rumo de empobrecimento, de desemprego crescente, de uma situação económica insustentável não só não se resolveu como se aprofundou, e foi isso que fez, mais uma vez, despertar a revolta dos egípcios. Confrontado com um governo corroído pela corrupção generalizada, a administração Obama tratou mais uma vez de determinar o rumo dos acontecimentos e foi isso que ditou a súbita «consciência democrática» do exército. Uma «consciência» que se saldou num golpe de Estado militar e na «nomeação» de um novo governo de uma junta militar onde estão muitas das figuras que, ou ligadas ao anterior regime e ao exército, ou gente de confiança dos EUA (como El-Baradei), possam garantir que mais uma vez o essencial do poder é salvaguardado. Mas há um dado que baralha os planos do imperialismo: esse é a experiência das massas em movimento e a consciência do real poder que estas, com uma direcção que interprete fielmente os seus interesses, com um objectivo de real transformação da natureza do poder político, têm. A consciência de que é possível fazer uma real revolução no Egipto. É com esses que estamos solidários.