A barbearia da Carris
Sinal dos tempos que vivemos, a mais célebre barbearia do país... não existe! É verdade. Ela faz capa de jornais, é citada em artigos de sociólogos, foi visitada (!!!) por agentes da ACT, é reconhecida pelo Ministério da Economia, até já apareceu na televisão, só que... não existe!
E não existe há quase 10 anos. Mas todos os dias, no facebook ou num dos pasquins do regime, alguém se indigna com o extraordinário privilégio de que gozam os trabalhadores da Carris – uma barbearia! O Tribunal de Contas cruxificou a gestão PS/PSD/CDS da Carris? Centenas de milhões de euros foram desviados da coisa pública para bolsos privados? Que importa! Inevitabilidades! O que importa é acabar com esse privilégio capilar!
As barbearias da Carris foram uma realidade há muitos anos, implantadas ainda a Carris era privada e inglesa. Hoje já só existem no Acordo de Empresa, mas a Administração não cumpre essa cláusula do Contrato de Trabalho. Como não cumpre várias outras cláusulas, umas por recompensada iniciativa própria, outras por recompensada incumbência superior.
E aqui entramos no cerne da questão, na iniciativa que mais recentemente pôs a guinchar todos os grunhos deste País: o PCP e a CGTP exigem que esse contrato seja integralmente cumprido, e que qualquer alteração seja negociada na contratação colectiva! Ora o dono dos grunhos defende que os únicos contratos que são para cumprir são os assinados com os banqueiros e demais capitalistas: se um contrato diz que temos de dar mais 100 milhões ao BIC, cumpra-se; se outro contrato manda pagar mil milhões por uma coisa chamada swaps, pague-se; se outro contrato diz que temos de pagar 560 milhões de juros em 10 anos por um empréstimo de mil milhões, o que se há-de fazer, é pagar; se as PPP são um roubo já oficialmente reconhecido, pois que se tente fazer melhor para a próxima que esses milhares de milhões estão em contratos e o Estado é pessoa de bem; etc.
Porque, no fundo, tudo se resume a isto: Não é possível satisfazer, simultaneamente, os direitos do capital e do trabalho. E a nossa opção está tomada, e não cedemos uma escola, um hospital, um direito. Nem sequer cedemos uma barbearia fechada há 10 anos!