O papel da comunicação social na semana política que passou
A saída do ministro das Finanças, primeiro, e a carta de demissão de Paulo Portas, depois, vieram confirmar por inteiro a análise que o Comité Central do PCP realizou nas suas últimas reuniões: um Governo derrotado, ilegítimo e cada vez mais isolado a quem a última greve geral provocou um abalo irreparável; um Governo onde se aprofundam e agudizam contradições que resultam não de divergências quanto às opções de fundo – nessa matéria Passos, Portas, Cavaco e mesmo Seguro estão absolutamente alinhados com o grande capital – mas da tentativa de cada um, à sua maneira, sacudir responsabilidades sobre a gravíssima crise económica, social, mas também política, em que o País se encontra.
Cedo foi definido o guião ideológico para abordar a crise política
LUSA
Os acontecimentos da última semana apenas vieram dar ainda mais força à ideia de que a saída da actual situação passa, irremediavelmente, pela demissão do Governo PSD/CDS, pela convocação de eleições, pela rejeição do pacto de agressão e a ruptura com a política de direita. Mas esse mesmo objectivo é antagónico com os interesses dos banqueiros, dos especuladores, dos grandes accionistas e proprietários. Daí a forma articulada, poderosa, certeira como, depois de uma certa surpresa, foram tomadas todas as medidas para garantir que «de costas ou de barriga» este Governo prosseguisse a sua obra de destruição. Para além da intervenção directa do grande capital no evoluir, hora a hora, dos acontecimentos – a que Marcelo Rebelo de Sousa descuidadamente chamou de «telefonemas de empresários» – foi erguida uma poderosa barragem ideológica, a partir dos principais órgãos de comunicação social, que obedientemente agiram sem surpresa.
Todos e a uma só voz!
As horas que se seguiram à «irrevogável» demissão de Portas – terça-feira dia 2 – provocaram uma visível desconcertação no discurso dominante. De repente, era ler e ouvir alguns dos indefectíveis da política de direita clamar por eleições e arrasar os membros e os partidos do Governo. O degradante espectáculo oferecido pelo Presidente da República, dando posse em directo a uma ministra de um Governo em decomposição, era pasto para os mais variados gozos que, aliás, se mantiveram até ao final do dia. Foi contudo um breve desalinhamento da voz do dono. Em poucas horas foram tomadas todas as medidas para corrigir a situação: foi definido o guião ideológico que justificaria a continuação do Governo; foi mobilizado o exército de comentadores e analistas de serviço onde não constam comunistas; foi desenhado o encadeamento dos noticiários, das «sondagens», das primeiras páginas; foi decidido que o único ângulo, a única abordagem possível sobre a crise política era a do capital.
No acerto de tónicas e argumentos houve, em primeiro lugar, que desligar aqueles acontecimentos das consequências da política que o Governo leva a cabo – desemprego, empobrecimento, exploração, dependência, roubo e saque do País – e sobretudo, da poderosa luta de massas que se ergueu para a combater. Tudo se resumia a «jogos partidários», a estados de alma e ambições pessoais, a amuos e provas de força.
De seguida, a chantagem. Decretou-se que em dois dias o país «perdera» 3,8 (???!!!) mil milhões de euros e que a queda do Governo e as eleições teriam custos incalculáveis. Os mercados, que há alguns meses andavam arredados do vocabulário mediático, regressaram em força. Os mercados não aceitam eleições, os mercados estão irritados, os mercados não vão emprestar dinheiro. E também a troika, com uma 8.ª avaliação à porta, a mobilizar-se pela voz da Comissão Europeia ou do governo alemão. Aliás, registe-se o insultuoso sublinhado, tantas vezes repetido, de que Portugal não é hoje um país soberano. Nos casos em que a rasteirice foi mais longe desenvolveu-se, com muito pouca vergonha, a ideia de que o povo português não poderia «desperdiçar» com eleições o esforço entretanto realizado, ou seja, há que continuar a fazer sacrifícios.
Apagadas as causas da crise, ocultada a luta entretanto travada – cujas mobilizações do PCP (no dia 3) e da CGTP-IN (no dia 6) nunca foram além das «centenas de participantes» –, feita a chantagem e a intimidação, seguiu-se a fase do «acordo» e com ele «estamos melhor agora do que antes», como sintetizou José Miguel Júdice em nome da sociedade civil. O País tinha agora que agradecer a Passos e a Portas pela capacidade de encaixe de cada um «em nome do interesse nacional» e, sobretudo, ao Presidente da República, que «esteve muito bem» perante os acontecimentos. E tanto assim é que foram brindados com uma salva de palmas no Mosteiro dos Jerónimos por uma plateia onde pontificava Alexandre Soares dos Santos, o mais rico dos mais ricos de Portugal.
Sim! Há que continuar a luta
Colado a cuspo, o Governo está agora mais fraco, o que não significa menos perigoso. Conta com o apoio de um Presidente da República mais comprometido do que nunca, mas as causas que levaram a esta agudização da crise política, não só não desapareceram como se aprofundaram. Há pois que continuar a luta, de forma persistente, combativa, ampliada, organizada. Há que demonstrar, mesmo que sobre as nossas propostas recaiam muitas formas de censura, que há alternativa, que só com o PCP, só com uma política e um governo patrióticos e de esquerda será possível uma vida melhor. Há que dar mais força à CDU já nas próximas eleições autárquicas. Há que ter e incutir confiança nas massas na luta por profundas transformações sociais inspiradas nos valores de Abril.