Defendamos os Baldios
Passaram esta semana 50 anos (27 de Maio de 1963) sobre o falecimento de Aquilino Ribeiro, «escritor que escreveu sempre com amor pelo povo, inconformado com a opressão, a tirania, o arbítrio impostos a Portugal pela ditadura fascista(1)»,autor de Quando os Lobos Uivam, obra que retrata a luta das populações em defesa dos seus baldios.
Os baldios são um espaço de participação democrática progressista
«A serra é dos serranos desde que o mundo é mundo, herdada de pais para filhos. Quem vier para no-la tirar, connosco se há-de haver!»
Aquilino Ribeiro, Quando os lobos uivam
Os baldios, importante realidade com mais de mil unidades implantadas particularmente no Norte e centro do País, são espaços de aproveitamento económico, complemento de rendimento das populações, que os aproveitam para pastoreio, apanha de lenhas, cogumelos, para fazer agricultura, piscicultura, exploração de plantas medicinais, de energia e outras tarefas. São, por outro lado, espaço de participação democrática com um conteúdo amplamente progressista.
Os baldios estão consagrados na Constituição da República Portuguesa como uma forma de propriedade especial. Não são propriedade do Estado, mas também não são propriedade privada. São propriedade comunitária dos povos. O baldio é de todos e por todos deve ser gerido.
Durante o fascismo, o Estado fez diversas tentativas para roubar os baldios aos povos, para planos de florestação forçada (o que deu origem ao romance de Aquilino) e para entrega às juntas para uso dos seus regedores, ou para favorecimento de interesses privados. Como as populações resistissem, o fascismo perseguiu, prendeu, torturou. Nem por isso as populações baixaram os braços e conseguiram defender alguns deles.
Com a Revolução de Abril, os baldios foram devolvidos aos seus legítimos donos, as Assembleias de Compartes e os Conselhos Directivos, estruturas dos povos para gerir os baldios foram consagrados na lei, ficou estabelecido que a propriedade comunitária é inviolável. O movimento dos baldios cresceu, realizaram-se centenas de assembleias, envolvendo milhares de homens e mulheres na gestão de um património de valor incalculável.
E apareceu a obra. Caminhos florestais, muros, fontanários, escolas, infantários, centros cívicos, arranjos e electrificação das localidades respectivas e muita intervenção na floresta, com limpeza de matos, novas plantações, de tudo isto se faz uma obra notável.
Novos ataques
Com a Revolução não acabaram os inimigos dos baldios, agora vestidos de democratas. Governos do PS, do PSD e do CDS criaram dificuldades ao investimento, retêm verbas que são dos baldios, ignoram os Planos de Utilização dos Baldios. Dá-se a coincidência (ou talvez não) que esta semana se tenha sabido que o Governo tem na manga uma nova proposta de alteração da Lei dos Baldios.
Primeiro criaram as dificuldades que empurraram as populações para longe das suas terras, deixando muitas aldeias completamente vazias de gente e de vida, e agora dizem que já lá não há gente, dando mais uma machadada no que ainda ali segura alguns deles. Falam de falta de transparência sem dizerem quais as situações concretas que conhecem, escamoteando que a actividade de cada Conselho Directivo do Baldio é regularmente escrutinada pelos compartes em Assembleia. Falam de falta de investimento, para esconderem que o Estado recebeu centenas de milhares de euros da venda de madeiras dos baldios em que se encontra em co-gestão com os compartes, sem que tenha reinvestido um cêntimo que seja em reflorestação.
Esta nova ofensiva que se avizinha tem os mesmos traços das anteriores. Ascendem já quase a uma vintena as tentativas para revogar, adulterar ou esvaziar a Lei dos Baldios.
É que o capital e as forças ao seu serviço não podem tolerar que resista uma realidade que valoriza a participação democrática colectiva, e que é ela mesma um exemplo dos valores e das conquistas de Abril. O capital não perdoa que, em terra onde o eucalipto podia crescer para engordar a riqueza da indústria da pasta de papel, continue a crescer o que é de todos, para todos e gerido por todos.
Eles estão, de novo, a salivar por esta extraordinária riqueza. Mas nós, de novo, usamos as palavras de Manuel Louvadeus, no romance de Aquilino: «A nação, (…) se não é igual para todos, é porque os dirigentes, que se chamam Estado, se tornaram quadrilha (…). Não, os serranos, mil, cinco mil, dez mil, têm tanto a ser respeitados como os restantes senhores da comunidade. (…) Se os sacrificam, cometem uma acção bárbara, e eles estão no direito de se levantar por todos os meios contra tal política.»
E levantar-se-ão!
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(1) Álvaro Cunhal, no prefácio a uma edição brasileira de Quando os Lobos Uivam