Notícias do monstro

Filipe Diniz

Entre as consequências mediáticas da actual crise do capitalismo está o ressurgimento da curiosidade acerca da vida dos ricos. O Observer (26 de Maio) e a Vanity Fair (Abril) publicaram recentemente artigos com dados interessantes acerca da matéria.

O Observer escreve sobre as grandes empresas de Silicon Valley (Apple, Facebook, Google). Quase não existem para o fisco mas beneficiam dos impostos alheios; têm um elaborado e eficaz sistema de evasão fiscal (estima-se que entre 2009 e 2012 a Apple contornou o pagamento de impostos sobre um rendimento de 74 milhares de milhões de dólares); e têm o seu próprio e luxuoso sistema de transportes colectivos, à margem do saturado sistema de transportes da cidade de S. Francisco. Quem se desloca de e para Silicon Valley é urbanamente invisível.

A Vanity Fair (A tale of two Londons) escreve sobre o impacto social e urbano do fluxo de dinheiro estrangeiro para a City de Londres (e seus paraísos fiscais em Jersey, Guernsey, Isle of Man, Ilhas Cayman, Bermuda, Ilhas Virgem britânicas), nomeadamente sobre o emblemático edifício Hyde Park one. Dos 76 apartamentos já vendidos neste edifício – cujos preços atingem os 214 milhões de dólares – só 12 estão registados em nome de pessoas individuais. Os 64 restantes estão em nome de misteriosas corporações e empresas desconhecidas, 59 das quais sedeadas em paraísos fiscais.

O dinheiro investido no imobiliário pressiona uma mudança acelerada da face de Londres. Com uma particularidade: como as alterações no tecido urbano dos períodos georgiano e vitoriano são (ainda) rigidamente regulamentadas, parte dessa alteração não se concretiza sob a forma de construção em altura, mas sob a forma de construção em profundidade. Alguma da vida dos muito ricos passou para baixo do solo, underground. Passaram à clandestinidade.

Num período em que a concentração da riqueza assume proporções monstruosas, os muito ricos tratam de se tornar invisíveis. Invisíveis perante os estados e as obrigações sociais e fiscais. Invisíveis perante a colossal e crescente massa dos que «nada têm a perder senão as próprias cadeias».

Uma tarefa necessária será ir encontrá-los nos luxuosos buracos onde se escondem.



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