Álvaro Cunhal e as conquistas da Revolução (II)

Paz e pão

Ninguém com o mínimo de honestidade intelectual poderá negar que Abril e as suas conquistas alteraram por completo a fisionomia do País, que de uma ditadura fascista passou, em poucos meses, para uma democracia profunda visando o socialismo. Neste processo, os trabalhadores e o povo assumiram o papel de protagonistas principais da construção do seu futuro, concretizando muitas daquelas que eram as suas aspirações políticas, económicas, sociais e culturais fundamentais.

Este protagonismo das classes e camadas que levaram a Revolução por diante não retira peso ao papel fundamental do PCP no processo revolucionário, quer enquanto força impulsionadora das suas principais conquistas (e, depois, da sua defesa) quer enquanto organização portadora de um Programa que, nas suas linhas fundamentais, se confirmou no decurso da Revolução.

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Tal como o Avante! salientou nas suas últimas edições, as profundas transformações revolucionárias operadas em Portugal na sequência do derrubamento da ditadura fascista eram, nas suas linhas gerais, defendidas no Programa do PCP para a Revolução Democrática e Nacional, aprovado em 1965 no VI Congresso do Partido. Foi precisamente isto que se passou com a Reforma Agrária e com a descolonização, há muito propostas pelo Partido, sobretudo desde a obra de Álvaro Cunhal «Rumo à Vitória», que enquadra o já referido Programa do PCP.

Nesta obra, de 1964, Álvaro Cunhal traça o panorama da realidade agrária do País (grande propriedade a Sul e pequena propriedade a Norte; elevada proletarização da mão-de-obra rural) e reafirma a posição dos agrários como «uma das bases da ditadura fascista. São eles, junto com os monopolistas, que traçam a política de perseguições, de fome, de terror que o povo português tem duramente sofrido nos últimos 38 anos». Assim, garantia, «expropriar-lhes as terras e entregá-las a quem as trabalha não é apenas uma medida de justiça social, uma condição para o melhoramento da situação das classes laboriosas dos campos e para o progresso da agricultura e da economia portuguesa no seu conjunto. É também uma medida necessária para eliminar uma das principais bases sociais da reacção e do fascismo».

Escrito pouco tempo depois daquela que foi uma das grandes vitórias do povo português perante o fascismo – a conquista da jornada de oito horas no latifúndio – o «Rumo à Vitória» valorizava a luta dos operários agrícolas e a confiança por estes depositada no PCP e traçava as questões fundamentais a que a Reforma Agrária em Portugal deveria dar resposta: «As terras expropriadas aos grandes agrários devem ser entregues aos assalariados e aos camponeses pobres para que as utilizem como melhor entendam: ou em explorações individuais, que só poderão garantir uma vida folgada aos camponeses se associados em cooperativas, ou como herdades do Estado. Ela implica, além da garantia de trabalho e de melhores salários aos assalariados rurais, a concessão de créditos aos pequenos agricultores, a diminuição dos impostos dos pequenos proprietários ao Estado e às câmaras, o auxílio em máquinas e técnica, a abolição de formas feudais de exploração (foros, parcerias, etc.), a diminuição ou extinção de rendas, o perdão das dívidas aos camponeses pobres às instituições de crédito e aos usurários, a reorganização completa do comércio de produtos agrícolas, o estabelecimento de preços compensadores.»

Como sempre aconteceu, a Reforma Agrária realizada com a Revolução de Abril foi mil vezes mais rica do que a mais rica das teorizações. Mas também ninguém pode negar que este sólido património teórico e programático foi fundamental para a concretização daquela que foi, nas palavras de Álvaro Cunhal, a «mais bela conquista da Revolução».

Autodeterminação e independência

Também no que respeita à descolonização, esta estava igualmente prevista no Programa do PCP aprovado em 1965. Tal como a Reforma Agrária, a independência das colónias africanas era uma proposta antiga do PCP, que teve no «Rumo à Vitória» (e no Programa do Partido para a Revolução Democrática e Nacional) um grande desenvolvimento e precisão de conceitos e objectivos. Escreveu então Álvaro Cunhal que «o exercício pelos povos das colónias portuguesas do direito à autodeterminação e independência é um dos objectivos políticos essenciais da revolução democrática e nacional portuguesa».

Este objectivo, acrescentava o então Secretário-geral do PCP, surgia ligado à libertação do povo português do fascismo: «Depende de factores de ordem interna e internacional que seja o povo português ou sejam os povos coloniais a libertar-se primeiro. É prematuro afirmar-se quem o conseguirá. O que se pode afirmar é que a libertação de Angola, Moçambique e Guiné, a dar-se antes do derrubamento do fascismo, será um golpe a que o regime de Salazar dificilmente poderá sobreviver. Assim, também a conquista da Democracia pelo povo português, a dar-se antes, tornará inevitável, a muito curto prazo, a independência nacional dos povos das colónias portuguesas, condição da conquista da verdadeira independência de Portugal.»

Também neste caso, a história seguiu o seu curso – não sem influência destas formulações do PCP que, assumidas pelas massas, se tornaram elas próprias uma realidade material – e o 25 de Abril trouxe consigo o fim da Guerra Colonial e a independência das até então colónias portuguesas. 



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