Reforma Agrária, o mais doce fruto de Abril
Tal como sucedeu com as restantes conquistas revolucionárias, também a Reforma Agrária é capaz de nos surpreender ainda hoje, tanto pelo alcance que atingiu como pela rapidez da sua concretização: em poucos meses foram ocupados e expropriados 1140 mil hectares de terra na posse dos agrários (mais de um quinto da superfície agrícola do País) e constituídas mais de meio milhar de unidades colectivas de produção e cooperativas. Neste processo, por acção dos próprios trabalhadores, terras antes abandonadas foram desbravadas e cultivadas; a produção agrícola e pecuária atingiu níveis inéditos; novas culturas foram introduzidas; aumentou o número de postos de trabalho nos campos do Sul, eliminando-se o desemprego crónico daquela região; novas máquinas foram adquiridas e importantes investimentos realizados; equipamentos sociais até aí inexistentes, como creches e centros de apoio aos idosos, foram erguidos um pouco por toda a região.
Este feito é ainda mais extraordinário tendo em conta que a Reforma Agrária foi feita sem que houvesse no País um poder revolucionário que a «oferecesse», por decreto, aos trabalhadores rurais. Pelo contrário, a acção destes operários (que eram a esmagadora maioria dos que trabalhavam a terra no Alentejo e no Sul do Ribatejo) não só precedeu a institucionalização da Reforma Agrária pelo poder político como tantas e tantas vezes teve que enfrentar a sua oposição, mais ou menos clara, mais ou menos frontal e, também, mais ou menos violenta. A conquista da Reforma Agrária, tal como a tenaz resistência contra a sua destruição, não foram um acaso. Resultaram do elevado grau de consciência e organização alcançados pelo proletariado agrícola nos últimos anos da ditadura – o mesmo que em 1962 arrancara aos latifundiários e ao fascismo a jornada de trabalho de oito horas – e da forte implantação do PCP na região, que se multiplicará nos meses e anos da Reforma Agrária.
Decisão histórica
Assim como sucedeu com o controlo operário e as nacionalizações, também as ocupações de terras foram uma necessidade para fazer face a problemas sérios nos planos da produção e do emprego na região do latifúndio. Quando os primeiros trabalhadores tomam a decisão histórica de avançar para as ocupações de terras, no Outono de 1974, a situação era dramática. Na sua obra, «A Revolução Portuguesa – o Passado e o Futuro», Álvaro Cunhal conta que a «sabotagem económica pelos agrários havia-se generalizado. Os gados ou eram abandonados até morrerem de fome, ou eram levados clandestinamente para Espanha. A azeitona não era apanhada. As culturas eram abandonadas. As máquinas eram retiradas das explorações. Olivais eram incendiados. Hortas e outras culturas eram destruídas criminosamente com bulldozers, tractores ou lançamento de manadas e rebanhos. Os agrários pediam dinheiro aos bancos para trabalhos agrícolas e gastavam-no em proveito próprio. Às terras dos pastos incultos e coutadas juntavam-se novas terras abandonadas ou só simbolicamente cultivadas. O desemprego aumentava e, tal como no passado, a fome instalava-se nas casas dos trabalhadores».
Num primeiro momento, as ocupações dão-se apenas em terras incultas ou abandonadas dos latifúndios. Até ao 11 de Março estas foram, efectivamente, muito limitadas. Mas a partir da derrota do golpe militar tentado pelas forças reaccionárias e pela a conjuntura favorável então criada, o processo de ocupações generaliza-se e a Reforma Agrária ganha forma. Quando a Lei da Reforma Agrária é publicada, em Julho de 1975, haveria já meio milhão de hectares de terras sob o controlo dos trabalhadores. Com esta lei, que veio consagrar aquela que era já uma realidade concreta, dá-se um novo estímulo à Reforma Agrária e, em finais de Outubro de 1975, era já um milhão de hectares a serem explorados colectivamente.
Ofensiva e resistência
A acompanhar este labor revolucionário dos operários agrícolas alentejanos e ribatejanos estiveram, desde o princípio, muitos milhares de portugueses, incansáveis na defesa e apoio à Reforma Agrária. De todo o País eram organizadas excursões às UCP e às cooperativas e os operários industriais ajudavam como podiam, construindo infra-estrututuras e fazendo reparações.
Mas a Reforma Agrária teve também os seus inimigos, declarados ou não. A partir do VI governo provisório, já sem Vasco Gonçalves como primeiro-ministro, os ataques à Reforma Agrária intensificam-se, mas são ainda incapazes de travar a sua continuação e o seu alargamento. Será a partir do primeiro governo constitucional do PS/Mário Soares que terá início a política de recuperação capitalista e agrária, que se prolonga até aos dias de hoje, e que fica marcada por episódios particularmente duros e pela heróica resistência popular. Para destruir a Reforma Agrária foram necessários vários anos e o recurso à violência policial, à bastonada e mesmo ao assassinato de trabalhadores.
Destruída a Reforma Agrária e devolvidas as terras aos agrários, o desemprego, a miséria e o abandono voltaram aos campos do Alentejo e do Ribatejo. Portugal importa hoje grande parte dos alimentos que consome. Mas ninguém poderá nunca apagar da memória e do coração dos trabalhadores e do povo a recordação dos avanços alcançados nos anos da Reforma Agrária e, sobretudo, a constatação – para o futuro – da força imparável dos trabalhadores quando unidos e organizados.