Comentário

Menos deputados e menos soberania

Maurício Miguel

São conhecidas e bafientas as autoproclamadas «vitórias» dos certos deputados portugueses ao Parlamento Europeu e dos sucessivos governos relativamente à defesa da soberania nacional no quadro da UE. Contando com a cumplicidade da comunicação social dominante que, em geral, nunca o denunciou, PSD, PS e CDS/PP sempre se colocaram ao lado das grandes potências, dos seus interesses e dos interesses do grande capital; sempre se mostraram disponíveis para trocar por um prato de lentilhas os interesses e aspirações do nosso povo e do nosso País. Quer se trate de tratados da UE, de decisões sobre o Orçamento da UE, sobre a Política Agrícola Comum, a Política Comum de Pescas, a política de comércio internacional ou o euro, sucedem-se as «vitórias», blindadas por um silêncio sepulcral, onde muito raramente surgem dissensões e quando tal acontece logo são abafadas.

Não deve estranhar a ninguém a quase omissão pelos jornais, televisões e rádios da proposta de perda de um deputado português ao PE. Se é verdade que falta a decisão final do Conselho Europeu (que terá de decidir por unanimidade), esta proposta perspectiva a perda de poder de Portugal em influenciar decisões e resistir às medidas contrárias aos interesses dos trabalhadores e do povo português na UE. Os deputados Paulo Rangel (PSD) e Vital Moreira (PS) consideraram que se tratou de «um bom resultado», uma «vitória», claro está, que a inaceitável perda de deputados de Portugal se tenha «limitado» a apenas um, tendo em conta a ameaça inicial de perda de quatro deputados já nas eleições de 2014. Ambos conhecem bem as águas sujas em que se banham, sabem que outras soluções eram possíveis, que esta perda não era uma inevitabilidade, e cumprem, deliberadamente, o seu papel de classe, atirando areia para os olhos das pessoas. A maioria do PE (onde se incluíram os deputados do PSD, PS e CDS) escolheu apoiar o que está estabelecido no tratado de Lisboa, apresentando uma proposta que se submete ao número máximo de 751 deputados no PE, propondo a sua distribuição entre países baseada no princípio da «proporcionalidade degressiva», ou seja, mantém um sistema que garante a seis grandes países (Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Espanha e Polónia) o domínio absoluto sobre a tomada de decisão ao nível do PE. Se o Conselho Europeu não alterar a proposta da maioria do PE relativamente ao número máximo de deputados e aos critérios da sua distribuição, tal poderá significar que face a alargamentos da UE a novos países, Portugal continuará a perder lugares de deputados(1), assim como outros países de igual ou menor dimensão.

A sua provável concretização impactará não apenas na soberania nacional e na sua representação no PE mas igualmente na sua composição política, fortalecendo ainda mais o poder hegemónico já existente da direita e social-democracia no PE e na UE em geral. Forças políticas como o PCP e forças revolucionárias e progressistas da Europa poderão perder representação (alguns dos seus deputados foram os últimos a serem eleitos) e o quadro de cooperação existente poderá ser quantitativamente e qualitativamente alterado, diminuindo as possibilidades de intervenção e de expressão da necessária alternativa a uma UE cada vez mais enfeudada aos interesses do grande capital e das grandes potências.

Esta é uma proposta que converge com outras no roubo da soberania nacional e do seu poder de decidir, livre de qualquer ingerência externa, sobre questões centrais da vida de um país independente como são os orçamentos nacionais. Chamam-lhe Semestre Europeu, Governação Económica, Planos de Reforma e traduzem a subversão das constituições nacionais, particularmente da nossa cujo carácter progressista é um claro entrave. Querem impor as políticas do grande capital e das grandes potências da UE, fazendo passar os orçamentos nacionais por um visto prévio, sujeitos a correcção se não corresponderem às orientações definidas, e impondo sanções se um parlamento nacional ou outra instituição de soberania nacional decidir afrontar essas orientações.

É um colete-de-forças que procura amarrar os trabalhadores e os povos, esmagando a sua soberania e os direitos e liberdades democráticas e políticas, com um claro objectivo de impor sempre mais exploração, repressão, desemprego, fome, miséria.

Por maiores que sejam, e são, as barreiras que se erguem perante nós na UE, a vontade do nosso povo pode tudo! Pode derrotar estas políticas e este rumo para o nosso País e para a Europa. Pode afirmar um Portugal soberano e independente como ferramenta fundamental para assegurar e conquistar direitos e para abrir caminho às aspirações de progresso e justiça social.

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(1) Portugal já teve 25 deputados, tem actualmente 22 e pode perder pelo menos mais um para as eleições de 2014. 



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