Os Atílios

Manuel Gouveia

Os tempos aúreos das telenovelas brasileiras deixaram-nos momentos marcantes, onde o génio dos actores e dos escritores construía personagens extraordinárias de que ainda hoje nos lembramos.

Tal é o caso de Atílio de Sousa, encarnado pelo grande actor Mário Lago na telenovela brasileira «O Casarão». Para quem não viveu esses anos, resumo que o Atílio era um velho alquimista amador, que passou toda uma novela remexendo uma banheira de esterco confiante na sua transformação em ouro.

Veio-me o Atílio à cabeça este fim-de-semana, a propósito da «unidade de esquerda» que nos querem vender, uma unidade, bem entendido, com o PS, onde bloquistas, ex-comunistas e socialistas «de esquerda» chafurdam alegremente há anos, e que ainda nas últimas eleições presidenciais os levou a apoiar candidatos que poucos dias depois estavam a ser candidatos pelo PS e PSD e a apoiar nas urnas o Memorando de rendição ao FMI.

Como o Atílio, eles mexem e remexem a coisa, tentando que as belas frases se misturem com as acções concretas, que o apoio à revisão do Código de Trabalho se dilua por alquímicas artes, que a assinatura do Pacto de Agressão se transforme em éter celestial, que o compromisso com o imperialismo seja devorado pelos glutões e que 36 anos de política de direita pareçam um azar do destino. No fundo, como o Atílio, querem acreditar que basta remexer a coisa para que a sua essência mude, e que o que é direita se transforme em esquerda.

O Atílio até era um tipo simpático. Estes também são. Mas uma banheira cheia de esterco remexido é uma banheira cheia de esterco, e se eles não o conseguem perceber, é deixá-los a remexerem e a remexerem-se.

A unidade que é preciso construir é a que une proletários com proletários, e estes com as restantes camadas antimonopolistas, em torno de um programa concreto, patriótico e de esquerda, que rompa com o processo contra-revolucionário em curso há quase 37 anos. É trabalho para gente séria, não para Atílios!



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